11 de abr. de 2011

O Fenômeno dos Assassinatos em Massa com a Participação do Chamado "Atirador Ativo"

postado por George Felipe de Lima Dantas em 11 de abril de 2011 George Felipe de Lima Dantas - Coordenador do Núcleo de Segurança Pública da Fundação Universa Rodrigo Müller - Especialista em Segurança Pública e Operações Especiais (Brasília, 10 de abril de 2011) "Está mais resguardado do perigo aquele que permanece vigilante, mesmo quando sente já estar seguro" (Publilius Syrus – Roma, Século I AC)

INTRODUÇÃO

Ao que parece, a tragédia do assassinato de 11 crianças cariocas em sala de aula no bairro de Realengo, no dia 7 de abril de 2011, se abateu sobre a nação brasileira como uma grande comoção, passando em seguida a uma doída consternação, para finalmente dar lugar ao pesar. Tudo isso também, parece, deve levar a uma reflexão sobre o ocorrido, de maneira que seja possível começar a esboçar planos de controle de ocorrências de fenômenos semelhantes. Temas como vídeomonitoramento, controle de acessos e detecção de metais nas entradas de escolas estão entre as medidas preventivas possíveis.

Wellington Menezes de Oliveira (24 anos) assassinou 11 crianças (10 meninas e um menino) na manhã da quinta-feira, 7 de abril de 2011. Ele disparou contra elas em sala de aula, na Escola Municipal Tasso da Silveira situada no bairro de Realengo na cidade do Rio de Janeiro. Wellington era um ex-aluno da escola. Outras crianças ficaram feridas no episódio, sendo socorridas em hospitais próximos. O criminoso cometeu suicídio, logo após os assassinatos, depois de ser surpreendido e confrontado por um policial militar no interior da escola.

Os assassinatos cometidos por Wellington podem ser classificados como “assassinatos em massa” ou “farra de assassinatos”, conforme a literatura criminológica anglo-saxônica dispõe sobre o tema. Pequenas sutilezas quanto ao local e ao lapso de tempo fazem a diferença entre um tipo e outro de definição. O modus operandi desse tipo de ocorrência é conceituado pelo Departamento de Segurança Interna dos Estados Unidos da América (United States Department of Homeland Security) e pela Associação Americana de Oficiais Táticos (National Tactical Officers Association) como “Incidente com Atirador Ativo” (Active Shooter Incident).

A sociedade brasileira já tinha notícia de ocorrências de assassinatos múltiplos como os do Rio de Janeiro em Realengo, mas não da sua incidência no próprio Brasil. A comoção produzida pelos acontecimentos na Escola Municipal Tasso da Silveira, entretanto, marca e inserção de uma nova expressão da violência aleatória com a qual os brasileiros passaram a ter contato direto. Ela não é novidade no restante do mundo, menos ainda nos Estados Unidos da América (EUA), China e Alemanha, países, dentre outros, onde já ocorreram vários casos semelhantes ao do Rio de Janeiro.

Conforme aponta a literatura criminológica, assassinatos como os de Realengo podem ocorrer sob a denominação de “farra ou folia” ou “assassinatos em massa”, quando ocorrem, respectivamente, (i) em diferentes locais e com pequena descontinuidade de tempo, ou (ii) em um único local e em uma única ocasião. Nesse escopo, parece que a tragédia do Rio de Janeiro seria classificável como um “assassinato em massa”. A forma encontrada pelo perpetrador para efetuar esses crimes encaixa-se na figura do “Atirador Ativo”, vez que, pela definição, ele seria “um indivíduo engajado em matar ou tentar matar pessoas em uma área populosa confinada -- em muitos casos, atiradores ativos usam armas de fogo e não existe um padrão ou método em sua seleção de vítimas”.

Outra tipologia de assassinatos múltiplos corresponde aos perpetrados pelos chamados “serial killers” (matadores seriais). Também conforme a literatura criminológica, tal modalidade de comportamento desviante fica caracterizado pela morte de várias vítimas em três ou mais eventos separados. Nesse caso, o lapso de tempo decorrido entre os eventos pode ser de dias, meses ou até mesmo anos.

Os casos de “farra de assassinatos” (com eles ocorrendo em mais de um local) e de “assassinatos em massa” (perpetrados em um único local) costumam estar listados juntamente na literatura criminológica. A diferença sutil entre eles, entretanto, parece estar no fato de que no primeiro caso o autor esteja em fuga, enquanto no segundo caso esteja disposto a ser flagrado e morto no transcurso do episódio. Tais ocorrências podem ser ou não caracterizadas como incidentes com “atiradores ativos”, uma vez que em muitos casos, o modus operandi pode variar.

Exemplos norte-americanos de assassinatos em massa incluem o caso do “Atirador de Washington”, quando John Allen Muhammad e Lee Boyd, ao longo de três semanas de 2002, alvejaram 13 e mataram 10 pessoas na área metropolitana de Washington, D.C. (área que inclui as unidades federativas de Maryland, Virginia e Washington). Já o caso dos 33 assassinatos perpetrados por Seung-Hui Cho, em uma única ocasião em 2007, com incidência no campus do Instituto Politécnico do estado de Virginia (Virginia Tech) situado na cidade de Blacksburg, pode ser claramente rotulado como um “incidente de atirador ativo”. No caso, o criminoso tinha a intenção de matar o maior número de pessoas possível e em um mesmo único local. Ele não se importava se ao final tiraria sua própria vida ou seria neutralizado por forças policiais.

Entre os “matadores seriais” mais famosos estão Jeffrey Dahmer (15 assassinatos espaçados ao longo de anos), Ted Bundy (várias vítimas femininas); Henry Lee Lucas (condenado por 11 crimes comprovados e autor confesso de cerca de 600 mortes); Charles Mason (sete vítimas) e; Andrei Chikatilo (52 vítimas, sendo a maioria delas crianças em idade escolar).

É preciso diferenciar também os homicídios cometidos com fundamento terrorista, sejam eles domésticos ou externos (incluindo os por motivação religiosa). Casos como os do atentado a bomba realizado por Timothy McVeigh na cidade de Oklahoma, estado de Oklahoma, em 1995, são claros exemplos de terrorismo doméstico, enquanto as mais de três mil mortes resultantes do atentado liderado por Mohammed Atta contra as chamadas “Torres Gêmeas” da cidade de Nova Iorque em 11 de setembro de 2001 correspondem a um exemplo de terrorismo externo. Os atuais carros bomba no Iraque, que massacram grupos religiosos muçulmanos como os xiitas, perpetrados por extremistas sunitas, também muçulmanos, estão entre os exemplos de terrorismo religioso. Os assassinatos em massa com ocorrência no México, cometidos por agentes dos Cartéis de Traficantes (em constante embate com as autoridades locais) tem cunho estritamente criminoso. Não são classificáveis como “Incidentes com Atiradores Ativos”.

O “EFEITO COPYCAT”

Uma possibilidade pós-incidente de Realengo é a replicação do incidente com o chamado “copycat”. A expressão inglesa resulta da justaposição da palavra “copy”, que significa cópia, seguida da palavra “cat”, que designa gato. Ela tem sua origem no fato de que os filhotes de gatos tendem a imitar, todos juntos, o comportamento da mãe. Assim, a expressão se refere, indiretamente, às manifestações da tendência animal de reproduzir comportamentos modelados de outros indivíduos, tendência essa jocosamente representada também pelo bordão “monkey see, monkey do” (o que o macaco vê – o macaco faz).

O “Efeito Copycat” tem sido sistematicamente apontado na literatura criminológica, sempre que a ocorrência de um determinado delito “dispara” uma onda de ocorrências ou fatos similares. O fenômeno parece ser típico, por exemplo, quando acontecem suicídios ou homicídios de grande repercussão pública. Assim, a publicidade sensacionalista sobre um suicídio ou homicídio pode fazer com que, logo em seguida, aconteçam outras ocorrências da mesma natureza.

Na verdade, o “copycat” de Realengo pode já ter acontecido. Um “atirador ativo” abriu fogo em um shopping center lotado na cidade holandesa de Alphen aan Den Rij, no dia 10 de abril. No episódio morreram cinco pessoas, com 13 saindo feridas. O autor dos assassinatos, Tristan van der Vlis, cometeu suicídio logo em seguida. As similaridades entre os casos do Rio de Janeiro e de Alphen aan Den Rij incluem a idade dos dois homicidas, ambos com 24 anos; a utilização de armas de fácil obtenção (revólveres no caso de Realengo e pistolas no caso holandês); a escolha de um local com grande concentração de vítimas potenciais (uma escola em Realengo e um Shopping Center na Holanda); a decisão do criminoso pelo suicídio (ambos efetuaram disparo contra a cabeça). É de supor que a ampla divulgação internacional do incidente de Realengo possa ter servido de “gatilho” para ativar as motivações do holandês em cometer um delito similar.

PADRÕES EM COMUM – O “ATIRADOR ATIVO”

Algumas características estão comumente associadas aos “atiradores ativos” e seus incidentes. Elas podem ser determinadas pela análise de casos já ocorridos, ainda que não possam ser tratadas como restritivas, uma vez que cada novo incidente é único e pode revelar novas características:

1) Os “atiradores ativos” usualmente focam em vítimas com as quais já tiveram algum contato. Muitas vezes essas vítimas são pessoas em relação às quais o atirador nutre sentimentos de ódio, raiva ou vingança. O ato de cometer os assassinatos alivia o assassino desses sentimentos;

2) Um “atirador ativo” normalmente engaja em mais de um alvo. Eles têm a intenção deliberada de matar o maior número de pessoas no mais rápido espaço de tempo possível;

3) Geralmente, os atos preparatórios do “atirador ativo” não são detectados e a sua presença no ambiente do crime só é detectada quando ele inicia a seqüência de assassinatos;

4) “Atiradores ativos” escolhem locais onde podem encontrar um grande número de vítimas concentradas, como escolas, teatros ou shoppings centers;

5) Podem utilizar técnicas de tiro de longa distância (atuando como snipers), alvejando e matando as vítimas desde pontos remotos. Podem também engajar vários “alvos” ao mesmo tempo, mesmo que eles estejam em movimento;

6) Táticas de gerenciamento de crise e negociação, normalmente associadas ao procedimento de isolar/conter/negociar não são adequadas a incidentes com “atiradores ativos”. Eles normalmente continuam seus ataques, ignorando esforços de negociadores;

7) “Atiradores ativos” estão sempre bem armados. Muitas vezes estão mais bem armados do que membros de forças policiais comuns, portando, além de armas de fogo, artefatos explosivos, armadilhas e mesmo instrumentos de bloqueio de entradas, portas e corredores;

8) Normalmente planejam seus ataques com bastante antecipação, detalhando um planejamento de forma a sustentar o fogo contra forças policiais que eventualmente atendam a ocorrência. Historicamente os atiradores ativos não se preocupam em esconder sua identidade ou a natureza e motivos do seu ataque. Escapar da polícia não é uma prioridade no planejamento.

9) Atiradores ativos empregam a violência de forma indiscriminada (aleatória ou randômica) e podem engajar alvos específicos ou não;

10) Eles freqüentemente são suicidas, decidindo morrer no curso de suas ações através ferimentos auto infligidos. Alguns buscam ser neutralizados pelas forças policiais (“suicide by cop”);

11) Normalmente possuem algum grau de familiaridade com o local escolhido para consecução do incidente;

12) As ocorrências com “atiradores ativos” não podem ser tratadas como ocorrências de suspeitos embarricados ou ocorrências com reféns, pois sendo um incidente de características dinâmicas, de alto risco às pessoas envolvidas, qualquer atraso na intervenção policial aumentará o número de vítimas.

PADRÕES EM COMUM – QUASE UM SÉCULO DE ASSASSINATOS EM ESTABELECIMENTOS ESCOLARES

Analisando 44 incidentes, entre 1913 e 2011, com as características de assassinato em massa, farra de assassinatos ou ações de atiradores ativos em estabelecimentos escolares, podem ser analisados e determinados alguns padrões nas bases de dados.

Análise quanto ao número de vítimas: A média do número de vítimas nos 44 episódios entre os anos de 1913 a 2011 foi de oito indivíduos. O número mais frequente de vítimas (número modal) é de cinco vítimas, variando de um número mínimo de uma vítima, até 44 vítimas.

Análise quanto à idade do perpetrador: A média de idade dos perpetradores nos 44 incidentes entre 1913 e 2011 é de 26 anos. A idade mais freqüente (modal) é de 17 anos, variando de um mínimo de 11 a um máximo de 55 anos. Em 68,8% dos casos a idade do perpetrador variava de 15 a 37 anos.

Análise quanto ao resultado do incidente em relação ao perpetrador: Em 22 casos (50% dos casos analisados) o perpetrador comete suicídio. Em cinco casos (11% dos casos estudados) a referência ao destino do criminoso é ambígua, sendo informado apenas ter sido preso pelas autoridades policiais. Em outros cinco casos (11% dos casos examinados) o delinqüente foi sentenciado à pena capital e executado. Em três casos (7% dos casos analisados) o perpetrador foi julgado como insano, não sendo responsabilizado por seus atos.

Análise quanto ao país de ocorrência dos incidentes: Em 14 casos (por volta de 32% dos casos analisados) a ocorrência se deu nos Estados Unidos da América. Em nove casos (cerca de 20% dos casos estudados) a ocorrência foi na China. Em seis casos (aproximadamente 14% dos casos examinados) os incidentes ocorreram na Alemanha. Em cinco casos (aproximadamente 11% dos casos estudados) a ocorrência foi no Canadá. Entre os países com dois ou menos casos estão a Finlândia, Japão, Israel, Hong Kong, Iêmen, Rússia, Bélgica, Polônia, Guatemala e Brasil.

O gráfico abaixo apresenta a relação entre o número de vítimas e o número de ocorrências de incidentes em uma evolução cronológica. O alto número de ocorrências havidas nas décadas de 1991/2000 e de 2001/2010 coincide com o surgimento da internet e o fácil acesso à informação, o que pode sugerir que o fenômeno do copycat tenha sido intensificado.

Número de eventos (vermelho) e vítimas (azul) de assassinatos em estabelecimentos escolares, por década, séculos XX e XXI (Fonte: Núcleo de Segurança Pública da Fundação Universa)

CONCLUSÃO: A PREVENÇÃO COM PROCEDIMENTOS PRÉ-ESTABELECIDOS

Identificar as motivações de um “atirador ativo”, em meio a potenciais indivíduos com patologias comportamentais latentes, não parece possibilitar uma prevenção efetiva. O que parece minimamente efetivo e necessário é prover um treinamento específico, tanto da comunidade escolar quanto dos profissionais de segurança pública. A “resposta” em casos de incidentes com “atiradores ativos” envolve reações rápidas das autoridades. Tipicamente, a chegada rápida de forças da lei é necessária para deter o atirador e impedir que ele faça mais vítimas. Esses incidentes normalmente duram entre 10 a 15 minutos e os primeiros policiais em cena devem estar preparados técnica, física e mentalmente para a ação.

A literatura técnica aponta as seguintes recomendações para os envolvidos em um incidente com atirador ativo:

1) Evacuar: • Se houver uma rota acessível de fuga, estar certo de ter um plano em mente; • Deixar os pertences para trás, não se preocupando em retirá-los no momento do transcurso do incidente; • Se for possível, ajudar outros a escaparem; • Alertar as pessoas, ao conseguir sair da área de risco, sobre a presença do atirador; • Manter as mãos visíveis quando do encontro com policiais durante o trajeto, informando a posição do atirador se dela tiver conhecimento; • Não tentar mover os feridos; • Ligar para o 190 assim que possível.

2) Esconder-se: • Se evacuar o ambiente não for possível, encontrar um lugar para esconder-se; • Manter-se fora da visão do atirador. Ele se dirigirá aos alvos que considerar mais próximos; • Se conseguir chegar a uma sala segura, trancar a porta, bloqueando-a com os móveis mais pesados existentes no local. As recomendações aos primeiros policiais em cena são basicamente as seguintes: • Não adentrar sozinho o ambiente confinado. A menor fração tática de emprego policial é a dupla; • Se mais de uma dupla policial estiver disponível, o grupo inteiro deverá ser dividido em equipes de intervenção e de resgate; • Enquanto a equipe de intervenção for verificando os ambientes, a equipe de resgate irá isolando a área, extraindo e socorrendo as vítimas; • A equipe de intervenção reconhecerá e identificará os sons de disparos, após o que deverá partir imediatamente para o local de onde os disparos estão vindo, redobrando a segurança e preparando-se para um possível contato com o atirador com o fito de neutralizar suas ações.

A busca de soluções para o controle desse tipo de incidente, além do treinamento específico e contínuo, envolve a criação pelas autoridades policiais de um “plano de emergência ou procedimento operacional padrão”.

A preparação para o manejo futuro dessas situações inclui a realização de palestras de esclarecimento nas escolas, buscando assim aproximar ainda mais a comunidade da polícia e apresentar à comunidade escolar procedimentos e instrumentos de capacitação de discentes e docentes, visando conhecer, compreender e aplicar procedimentos pré-determinados para situações de crise similares que eventualmente possam ocorrer no futuro.

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