Fonte: Brasília, domingo, 4 de abril de 2004 -- Correio Brazilense, Página 30.
Por George Felipe de Lima Dantas
Não são bem conhecidos, no Brasil, nem a origem nem o significado cultural da expressão Big Brother (BB), parte do nome de um programa televisivo da atualidade. Nesse ‘‘show da realidade’’ (reality show), um grupo de pessoas comuns é selecionado para viver isoladamente em uma casa, circunstância em que emergem vários conflitos, pelo prêmio do programa inclusive. Os participantes vão se auto-excluindo da casa progressivamente, a cada semana votando em alguém, dentre eles, que deixa o programa.
Nesse jogo, quem ‘‘fica por último’’ ganha um polpudo prêmio em dinheiro. Os telespectadores também votam em quem acham que deve sair. Para tanto, a casa fica em constante exposição, sendo monitorada 24 horas por dia para observação e deleite do voyeurismo de uma grande audiência.
É na vigilância eletrônica permanente e conseqüente invasão da privacidade que o nome e estilo do programa guardam semelhança com o Big Brother da obra "1984", do escritor inglês George Orwell (1903-1950). O BB de Orwell, um ditador, exerce um controle total sobre a população de um país fictício, valendo-se da vigilância eletrônica praticada por uma “polícia do pensamento”. Ele espiona a tudo e a todos através de telas interativas de televisão, com elas permanecendo ligadas em quase toda parte. O livro, de 1949, sugere que a privacidade e a dignidade humana possam ser completamente destruídas pela vigilância eletrônica permanente.
Conspiração e traição, mostradas em 1984, também aparecem no programa a cada ciclo de votação pela saída de um dos participantes. O clima negativo aumenta progressivamente, culminando com a total extinção do grupo, quando fica restando apenas um na casa e termina o ‘‘jogo’’. O grupo inteiro sofre uma espécie de tensão nervosa cumulativa, função da vigilância eletrônica perene e da completa perda de privacidade resultante.
O ‘‘ingênuo’’ aparato tecnológico do BB de 1949 já foi em muito superado, como fica bem demonstrado pela tecnologia utilizada no programa e na própria ‘‘vida real’’ de 2004. Atualmente, a telefonia é um dos alvos preferenciais da vigilância eletrônica direta, comumente chamada de "grampo", e que se traduz na interceptação objetiva e deliberada da comunicação telefônica em geral. Já os celulares podem ser também alvos da ‘‘vigilância indireta’’. Para poderem funcionar, os telefones móveis precisam comunicar eletronicamente a uma central o local de onde estão operando, o que faz deles verdadeiros rastreadores de seus usuários.
Muitos instrumentos da ‘‘modernidade digital’’ podem expor indiretamente a privacidade, incluindo os registros do provedor da internet, e-mail, sites visitados, compras eletrônicas em cartões de crédito, remessas bancárias, etc. Entre os objetos da vigilância eletrônica direta, estão incluídos até mesmo os diálogos face-a-face, mesmo aqueles travados em locais tão insuspeitos quanto uma rua, praça ou aeroporto.
Recentemente foi denunciada a possibilidade da vigilância eletrônica direta já ter sido empregada no Brasil por agentes estrangeiros, tendo como alvo as mais altas esferas do poder nacional. De fato, a vigilância eletrônica, tanto direta quanto indireta, está bastante disseminada. Os órgãos do sistema de justiça criminal são os maiores proponentes e usuários dela. O terrorismo, o tráfico de drogas e a corrupção estimularam em muito o desenvolvimento acelerado de tais aplicações da tecnologia da informação. Mas se a privacidade dos criminosos passou a ficar assim cada vez mais ameaçada, também a de todos os outros membros da sociedade. A vigilância total é uma verdadeira "Caixa de Pandora", constituindo-se numa espécie de distopia (o inverso da utopia). Conforme fica demonstrado teoricamente no livro e objetivamente no programa, ela possui um efeito psicológico pernicioso, refletido no comprometimento da comunicação e da socialização, processos sociais básicos. O resultado, sobre os bons e sobre os maus, indiscriminadamente, é subordinação pela incerteza. Como sugere Orwell, a vigilância total e permanente faz com que as pessoas passem a ser submissas a um poder onisciente e onipresente.
Quais são os limites desse poder? Quem efetivamente pode exercer o poder extremo da ‘‘vigilância total’’ e quais são os mecanismos do seu controle pela sociedade?! O poder tende a corromper e o poder absoluto tende a corromper absolutamente. Cuidado, Big Brother pode estar de olho em você...
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29 de nov. de 2007
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