3 de mar. de 2010

Rio de Janeiro, 2007--2010: em guerra?

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por George Felipe de Lima Dantas
em 23 de novembro de 2010

Rio de Janeiro, 2007--2010: em guerra?

Luciano Phaelante Casales
George Felipe de Lima Dantas

"É claro e bem sabido que a única fonte da guerra é a política... A guerra é simplesmente uma continuação da política com a adição de outros meios". (Carl von Clausewitz)

A questão do enfrentamento "bélico" da criminalidade da cidade do Rio de Janeiro, como seria de esperar, vem assumindo contornos políticos. Isso acontece em uma moderna urbe brasileira em que organizações criminosas de narcotraficantes e de outras ilicitudes estão, desde algum tempo, instaladas em "áreas liberadas." Elas cometem seus crimes tirando vantagem do fato de estarem "incrustadas" em comunidades nas quais predomina a exclusão social. Existe todo um passado de omissões do Estado e da Sociedade Civil, interessados no usufruto político de tal situação ilícita ou até mesmo no consumo ilegal de drogas.

Isso está mudando e produzindo um questionamento político da não-aceitação, pelo Estado, da hegemonia territorial consentida a gangues ou facções de narcotraficantes. O questionamento, no caso, é feito em nome de valores democráticos justamente merecidos pela maioria da população civil e inocente do Rio de Janeiro. É como se a manutenção do próprio Estado Democrático de Direito e da plenitude de suas instituições pudessem ser desafiadas por alguma razão. Finalmente, representantes institucionais do Estado Democrático de Direito tiveram a coragem de admitir a existência de um nefasto "estado paralelo" e que ele precisa ser combatido.

Em estudo sobre o alcoolismo, a psicóloga Elenice Murta Galacini alerta que "negar o problema é um mecanismo de defesa que prejudica seu tratamento". Ao que parece, de forma semelhante, o Estado, no Rio de Janeiro, vinha nos últimos anos evitando um necessário confronto que viabiliza o início de um tratamento sério e responsável da questão.

A questão maior, entretanto, pode ser analisada de forma mais ampla e profunda do que a atualidade do problema aponta. Ela é marcada, principalmente, pelo sentimento de evitar um eventual dano físico e ao patrimônio de excluídos sociais e econômicos. Tais indivíduos, por força da própria configuração do "teatro de operações" do conflito, estão mesclados demograficamente e, por vezes, compulsoriamente (-fazer o que?), com criminosos que desafiam as instituições do país. Confunde-se e reafirma-se, assim, a própria estratégia posicional de existência do crime, com a razão de não reprimi-lo. As "balas perdidas" do Rio de janeiro, jocosamente referidas por alguns, mais seriamente são chamadas de "dano colateral" por analistas da situação.

São os inocentes, os "civis", aqueles que sofrem o chamado "dano colateral" no enfrentamento da criminalidade que desafia o próprio Estado na cidade do Rio de Janeiro. Destarte, o foco da questão pode ficar deslocado para algo que transcende o tempo e o espaço: 2007--2010 e Rio de Janeiro. O foco pode ser estabelecido genericamente na questão do "dano colateral" propriamente dito. Tal abordagem suscita definir "dano colateral", normalmente produzido por uma guerra.

Dano colateral denota dano alegadamente acidental, sustentado por civis e suas propriedades durante a guerra, resultante de ações que não violaram as "leis da guerra". Alguns acreditam que a expressão seja utilizada apenas como "eufemismo cínico", equivalendo ao que seria simplesmente a "morte de civis".

Na guerra existem "alvos", que podem ser: (i) "alvos militares legítimos" ou (ii) "alvos civis ilegítimos". Destruir "alvos civis ilegítimos" só não será "crime de guerra" se: (i) tal destruição não tiver sido prevista e ocorrer de maneira acidental, ou (ii) se tiver acontecido um dano mínimo em relação à destruição do objetivo militar pretendido.

Uma outra questão se levanta, neste ponto, em relação ao conceito de "guerra"... - Ora, mas o Rio de Janeiro está em guerra? - Declaradamente parece que não, já que não existe nenhum ato formal em que a situação lá incidente possa ser ortodoxamente declarada como tal. Assoma à discussão, destarte, uma outra questão ainda. - A guerra, em uma acepção mais ampla, poderia estar identificada com a situação prevalente no Rio de Janeiro?

Uma guerra pode começar em seguida a uma "declaração oficial de guerra", no caso de uma "guerra internacional", ainda que isso não tenha sido sempre observado, nem de maneira histórica nem contemporânea, tampouco no caso de "guerras civis". A declaração de guerra normalmente não é feita quando de guerras internas.

Já é lugar comum, há vários anos, a referência à situação do Rio de Janeiro como sendo de "guerra civil". A sensibilidade a esse tipo de "conhecimento", ou a origem de um senso comum generalizado em relação ao uso de tal expressão, talvez resida no fato de que as gangues ou facções de narcotraficantes do Rio de Janeiro, hoje em situação de enfrentamento direto ao Estado, utilizem:

(i) armas e munições de emprego militar (inclusive artefatos explosivos e "armas pesadas" contrabandeadas ou desviadas das Forças Armadas);

(ii) táticas de "guerrilha urbana" (incluindo o emprego oportunista, em relação ao ordenamento jurídico, de "soldados crianças e adolescentes"; bem como, as "balas achadas", técnica utilizada pelas facções criminosas durante os enfrentamentos, quando civis são alvejados propositalmente, como forma de agravar a pressão pela manutenção do "status quo";

(iii) ações de controle territorial que afetam a própria rotina da população, já sendo comum a determinação, pelo crime organizado, do fechamento de estabelecimentos comerciais e escolares locais.

Uma "Guerra Civil" é um conflito em que as forças em oposição pertencem ao mesmo país. A "guerra assimétrica" é um conflito entre duas populações de níveis drasticamente diferentes de poder militar. Este tipo de guerra freqüentemente resulta em táticas de guerrilha, utilizadas pelo oponente mais fraco, normalmente qualificado como 'conflito de baixa intensidade'. A guerrilha, em sua utilização de táticas em ambientes urbanos, ficou bem conhecida durante a bipolaridade internacional. Ela seria uma forma de "guerra assimétrica" travada entre forças desiguais, buscando o mais fraco alguma vantagem oferecida pelo ambiente urbano tridimensional.

O combate urbano, particularmente no Rio de Janeiro, em termos operacionais e táticos, é complicado e muito diferente do combate em outras áreas. Os fatores de complicação são devidos essencialmente à presença de civis e de edificações de toda sorte. Alguns civis são difíceis de distinguir dos combatentes, entre eles os membros de milícias e gangues, particularmente se tais civis estiverem tentando proteger suas residências. As formulações táticas passam a ser complicadas em um ambiente tridimensional, com uma limitação dos "campos de tiro" e de visão, ampliação das cobertas e abrigos para os bandidos (sob a infra-estrutura acima do solo) e, por último, mas não de menor importância, pela facilidade de posicionamento de armadilhas e de "franco-atiradores.".

É no contexto da guerrilha urbana e da tênue linha que separa o dano colateral da atrocidade, que reside o questionamento político da confrontação hoje empreendida pelo Estado no Rio de Janeiro. As autoridades da segurança pública local, finalmente, estão partindo para o enfrentamento, com um máximo de força possível. Estão atacando núcleos do crime organizado, para desmantelá-los, em meio a uma comunidade civil. Vidas civis estão sendo perdidas como ônus de uma estratégia ofensiva, decisiva, de enfrentamento agudo de um problema crônico. Na data do último enfrentamento (2007) foram dezenove mortes em meio a centenas de milhares de pessoas.

Por outro lado, há que considerar, também, o ônus de uma estratégia defensiva instrumentada por vidas civis. Na verdade, os bandos (facções) de organizações criminosas do Rio de Janeiro utilizam tradicionalmente os civis locais, fisicamente, como peças de "blindagem política", fazendo deles "escudos virtuais" para a manutenção da incolumidade de suas instalações e garantia da prática impune dos seus respectivos crimes. Isto claramente é uma violação das "Leis da Guerra", elaboradas, entre outras razões, para proteção da população civil.

A questão que se apresenta, em tal circunstância, é o cotejo moral da estratégia ofensiva, aguda e eventual, dos agentes do Estado, com a estratégia defensiva, crônica e habitual dos agentes do crime. Talvez a solução do impasse moral apresentado, em uma "situação de guerra", possa ser o recurso ao conceito de "Guerra Justa". Ele remete a questão de "fazer a guerra", ou não, para os seguintes argumentos:

1. - A guerra é travada realmente para evitar um mal maior?
- Como resposta ao caso concreto tem-se duas outras indagações:

O Estado Democrático de Direito só deve ser válido para uma parcela da sociedade brasileira?

- Ou, os moradores honestos, que habitam as comunidades afetadas pelo "estado paralelo" têm o direito de não ter suas vidas pautadas pelas regras dos narcotraficantes?

2. - Ela está sendo travada por autoridades legítimas do Estado?

- Não há dúvida de que são as autoridades legítimas do Estado, finalmente, que estão conduzindo os rumos do enfrentamento desse problema crônico.

3. - É sincera e verdadeira a intenção de buscar o Bem Comum por parte das autoridades que estão atuando ofensivamente?

- A demonstração de que o enfrentamento é parte de um plano que terá na sua consolidação ações sociais estruturantes que procurarão inviabilizar o retorno do "estado paralelo", ao que parece, denota a busca do Bem Comum e viabilização do convívio social saudável.

4. - A guerra é realmente o "último recurso"?

Analisando a situação atual do Rio de Janeiro, a realidade aponta que, para realizar qualquer atividade preventiva em prol da comunidade (educação, saúde e urbanização), isso só poderá ocorrer após o Estado "recuperar" as "áreas liberadas" dominadas pelos membros do crime organizado.

5. - Existe uma probabilidade razoável de resolução do problema ao final da guerra?

O "final da guerra" é apenas o primeiro passo que facilitará a entrada do Estado para resolver o problema da segurança pública nas localidades ocupadas pelas facções criminosas. O Estado precisa se fazer presente nas suas diversas modalidades de gestão. Para tanto, a primeira fase (enfrentamento do crime organizado) é necessária e imprescindível. Ao que parece, na segunda fase das ações do Estado, que vem sendo anunciadas pelas autoridades estaduais e federais, a busca de uma resolução estará mais próxima. Senão, voltar-se-á à estaca zero.

6. - Os danos produzidos serão superados pelos ganhos?

É quase que óbvia a opinião negativa acerca da justiça desse conflito para familiares e amigos dos atingidos pelos "danos colaterais". Eles incluem representantes do Estado mortos em combate (policiais e outros servidores públicos), membros da comunidade em geral, e mesmo parentes de membros do crime organizado que representam o "estado paralelo repressor."

Afora a verificação de fazer ou não a guerra, o conceito de "Guerra Justa" também pode ser aplicado a "como fazer a guerra quando ela tem de ser feita". Dois são os critérios para tanto:

Discriminação de meios: os meios para conduzir a guerra precisam ser escolhidos criteriosamente, em seu inicio, tendo como princípio a aceitabilidade moral. Mesmo com eventual benefício militar, alguns meios podem ser inaceitáveis. É o caso, por exemplo, do dano colateral que passa a ser genocídio.

Proporcionalidade de força: o dano produzido pela guerra precisa ser proporcional a sua causa. O "dano colateral" precisa ser limitado e, sempre que possível, evitado.

A atuação dos agentes públicos no Estado Democrático de Direito deve ser fiscalizada por todas as entidades representativas da sociedade. A utilização da força na primeira fase da resolução do grave problema do Rio de Janeiro deve sempre estar pautada pela repressão qualificada e proporcionalidade das ações de enfrentamento. As autoridades locais, nos dias correntes, parecem estar trilhando um caminho certamente difícil, duro, complicado, mas inevitável...

Luciano Phaelante Casales é Professor Doutor (General de Exército da Reserva do Exército Brasileiro), Coordenador para Assuntos de Defesa do Núcleo de Estudos em Defesa, Segurança e Ordem Pública (NEDOP) do Centro Universitário do Distrito Federal (UniDF) de Brasília. George Felipe de Lima Dantas é Professor Doutor, Coordenador para Assuntos de Segurança Pública do NEDOP/UniDF.

2 comentários:

Dora Dimolitsas disse...

Gostaria
de sua permissão para publicar
sua matéria no Jornal O Rebate
Um abraço DoraDimilitsas
se permitir meu e-mail é doroty.dimolitsas@uol.com.br
Obrigado
Parabéns pela materia

Anônimo disse...

Rio de Janeiro, uma cidade que ja foi maravilhosa, hoje esta passando por uma tragédia, um verdadeiro cáus. Acabou a paz dos Brasileiros, crianças sem aula, comercios de portas fexadas, um país sem lei e sem nenhuma luz no fim do túnel - isso parace o fim dos tempos, será que teremos a bonanza futuramente...Se Deus tiver entrada livre para trazer a paz ainda há uma esperança senão!!!