28 de set. de 2009

Honduras? - O que nós temos com isso?


Fonte da imagem: http://seteporsete.files.wordpress.com/2009/07/honduras_flag.jpg


Refletindo sobre a intervenção brasileira na crise hondurenha: prós e
contras diplomáticos --o Brasil sai ganhando ou perdendo?

por George Felipe de Lima Dantas (Doutor em políticas públicas "The George Washington University"/Washington, D.C., EUA) & Carlos Eugênio Timo Brito (Mestre em relações Internacionais "London School of Economics"/Londres, Reino Unido e doutorando pela Universidade de Westminster/Londres, Reino Unido)

A tradicional postura da 'diplomacia invisível' do Estado brasileiro não parece hoje uma praxe, como já foi o caso antes. Com a atual 'visibilidade diplomática' do governo brasileiro, a diplomacia do país parece diferir, na contemporaneidade, do que poderia lembrar-se a nação em termos de 'ortodoxia de suposta neutralidade e ausência da política externa do Brasil'. Poder-se-ia até mesmo evocar uma tradição diplomática aparentemente descolada de conjunturas internas, com todos os ônus e bônus que isso pudesse implicar. Costumava ser percepção corrente no país que até mesmo seus operadores -- os diplomatas – historicamente tivessem uma existência distanciada de seus homólogos nos demais setores do aparato estatal doméstico.

Aos olhos da nação, do 'homem médio', o tema das relações exteriores seria algo de existência quase 'invisível', tido até mesmo como elitista e dispensável em relação a temas 'mundanos' do interesse nacional imediato. Isso sugeriria, ao menos aparentemente, uma desconexão real e prática das múltiplas e complexas questões internas (saúde, educação e segurança, a exemplo), com as supostamente distantes questões externas (defesa, comércio exterior e cooperação bilateral e internacional, a exemplo), respeitado apenas o que existia de real interesse em relação a algumas poucas questões internas de segura e inequívoca articulação transnacional (comércio exterior de alguns produtos do setor primário, essencialmente: café, açúcar, etc.). Ou seja, afora uns poucos temas econômicos mais dependentes da conjuntura internacional autônoma do comércio exterior (preços fixados internacionalmente), de impacto certo na ordem política e econômica interna, as questões internacionais nunca estiveram, normalmente, na 'ordem do dia' no Brasil.

Algo mudou na política externa do Brasil ao longo dos dois mandatos presidenciais do atual governante do país. Mas algo mudou também na conjuntura hemisférica que inclui a América Latina. A interdependência econômica e financeira global talvez seja esse fator de mudança. E ser líder em um tempo tal, é poder influir em um sistema interdependente como o dessa ‘nova desordem internacional’, mas que é hoje altamente interdependente, ainda que assimetricamente. E Honduras é parte desse sistema, já que, nominalmente, é mais um país, como qualquer outro, entre os aproximadamente 200, ‘de igual valor de voto’ na comunidade das nações (como, por exemplo, na Assembléia-Geral das Nações Unidas).

A crise hondurenha envolve, em síntese, um presidente legalmente eleito e em pleno mandato, que em um blefe político resolve ignorar a Constituição daquele país para convocar, por decreto, uma consulta popular sobre a possibilidade de re-eleição. O Parlamento e a Suprema Corte hondurenhos reagiram prontamente. Zelaya é deposto, preso e deportado para o exterior.

O problema maior é que esse ‘ato de força’ das autoridades e lideranças políticas de Honduras teve a aparência, mitológica na região, de mais um golpe de estado, pois envolveu a deposição de um presidente eleito com participação das forças armadas. Talvez por desconhecimento em relação ao ordenamento jurídico interno hondurenho, talvez por ‘neurose coletiva fóbica’ à repetição de um passado autoritário tão repetido quanto sombrio na região, a opinião pública internacional, notadamente a mesma que hoje busca valorizar a ONU e o órgão internacional regional legitimo que é a OEA, decidiram condenar ‘de pronto’ a situação.

Percebe-se que a crise é, destarte, resultado de elementos contextuais complexos e de atitudes inconseqüentes (do ponto de vista moral, não do ponto de vista pragmático). Francamente considerando, não há como deixar de reconhecer que Zelaya buscou desrespeitar a constituição de seu país em benefício próprio. Tampouco há como negar que a oposição a Zelaya, mesmo reagindo em conformidade com o ordenamento jurídico nacional, o fez de modo inadequado, envolvendo as forças armadas e, mais que rápido, deportando um presidente eleito. A comunidade internacional, por sua vez, “comprou” a versão de que o ocorrido constituía inequivocamente mais um ‘herético’ golpe de estado centro-americano. Para essa mesma comunidade internacional mudar de posição, ou sequer retroceder, agora, pode sinalizar uma atitude de fraqueza no intricado jogo de poder em que tudo isso se desdobra.

Estados Unidos, Brasil e a conturbada Venezuela participam desse conflito interno de Honduras, como protagonistas ‘de fato’, atentos às oportunidades, para cada um deles, no mais recente episódio regional desse "jogo".

Não há muito para o Brasil ganhar ou perder em relação aos desdobramentos internos da crise hondurenha, ao menos em termos práticos, no que tange a relação bilateral Brasil/Honduras. Provavelmente, a própria crise se auto-extinguirá com a realização de eleições, já próximas, das quais pode resultar, inclusive, um ‘indulto’ ao que tenha havido de desviante na conduta do ‘ex-presidente’ Zelaya, ‘parte generosa’ de um acordo maior, costurado sob os auspícios da ONU e OEA, para acabar com o conflito.

Em verdade, o Brasil, ao que parece, só poderá sair fortalecido dessa ‘aparente crise internacional’, ao ombrear-se e atuar proativamente, de maneira pragmática, junto com relevantes atores envolvidos, especificamente os EUA e a Venezuela. O primeiro deles, em aparente desdém respeitoso, mas pugnando a retórica da legalidade em relação à constituição de Honduras, mas já de ‘mãos cheias’ com a conjuntura de uma América Latina em que o grandiloqüente Hugo Chávez é ‘fato novo’, igual ou mais visível e insinuante que o próprio contencioso político-ideológico cinqüentenário entre os EUA e Cuba.

A Venezuela, por sua vez, não parece capaz, ao menos nesse momento, de competir com uma diplomacia reconhecidamente eficiente como é o caso da brasileira, apesar de ter sido, nos estágios iniciais da crise, a maior responsável pela “popularização” da versão segundo a qual a deposição do presidente hondurenho fosse resultado de um golpe de estado, o que resta ser comprovado em termos objetivos. E a história das crises internacionais certamente dará conta disso...

O Brasil apoiou Zelaya, expressamente, em termos morais, enquanto presidente eleito. A cada dia que passa as condições de fato do retorno dele ao poder vão sendo diminuídas pela proximidade das eleições. E o Brasil certamente não contestará o resultado desse novo pleito. Ou seja, é um jogo de tempo em que a crise hondurenha se resolverá por ela própria, com o Brasil tendo desempenhado um ‘papel moral’ aceitável por todos os lados, demonstrando que pode liderar a comunidade a que pertence de maneira legal e eficaz. Isso tudo se nada de excepcional ocorrer, com Zelaya se portando apenas como mais um hóspede ilustre, porém inadequado, da Embaixada do Brasil em Tegucigalpa, ao mesmo tempo em que as forças militares e policiais locais sejam capazes de manter a lei e a ordem, enquanto se aproxima o novo pleito e um novo presidente será eleito. Em tais condições, certamente o Brasil ganhará politicamente, ainda que 'por WO'. - E o que mais existiria por ‘ganhar’?

Nenhum comentário: