28 de set. de 2009

E S T A D O D E M I N A S ● S E G U N D A - F E I R A , 2 8 D E S E T E M B R O D E 2 0 0 9


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Porlamar (Venezuela)/Tegucigalpa – A crise em Honduras complicou-se ainda mais ontem com troca deacusações e ameaças entre o governo de fato do presidente Roberto Micheletti e o governo brasileiro.Na noite de sábado,o governo interino deu um prazo de 10 dias ao Brasil para que defina o status do presidente hondurenho deposto, Manuel Zelaya, que há uma semana está refugiado na embaixada do país em Tegucigalpa.

O governo Micheletti exigiu ainda que o Brasil se assegure de que sua embaixada não será usada por Zelaya "para pregar a violência", em alusão ao pedido do presidente deposto à população hondurenha que pratique "atos de desobediência civil" contra o regime interino.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva reagiu de maneira enfática, rejeitando o ultimato. "O governo brasileiro não acata o ultimato de um golpista, usurpador de poder", disse Lula, em tom irritado, em entrevista coletiva na Ilha de Margarita, durante a reunião de cúpula de 65 países da América do Sul e da África.

"O governo brasileiro não negocia com ele. Quem tem de negociar é a Organização de Estados Americanos (OEA) e o Conselho de Segurança das Nações Unidas, que já tomaram as decisões."

De acordo com o presidente, o caso “está encerrado”, depois que a OEA e o conselho decidiram por unanimidade em favor da volta de Zelaya ao poder. "Se a ONU ou o Conselho de Segurança ou a OEA fizerem um pedido ao Brasil, nós vamos simplesmente acatar o pedido deles, mas não desses senhores."

No entanto, o governo de Micheletti retrucou, ameaçando retirar o status diplomático da embaixada brasileira em Honduras. "Se em 10 dias não definirem o status de Manuel Zelaya, a sede perderá sua condição de diplomática, mas, por cortesia, não planejamos invadir o local", disse o ministro de Relações Exteriores do governo de fato, Carlos López Conteras.O governo de Micheletti voltou a acusar Zelaya de usar a sede diplomática para "gerar violência" no país.

Deposto e expulso do país em 28 de junho, por tentar realizar um plebiscito para obter o direito à reeleição, contrário a uma cláusula pétrea da Constituição, Zelaya refugiou-se na Embaixada do Brasil, depois de quase três meses exilado.

Lula disse que o chanceler Celso Amorim telefonou para a embaixada no sábado e disse a Zelaya que, "se quiser falar com os jornais, fale, mas sem fazer incitação". E advertiu:"Obviamente que, se o Zelaya extrapolar, vamos falar com ele que não é politicamente correto ficar utilizando a embaixada para fazer incitação a qualquer coisa além do espaço democrático que nós estamos dando para ele”. Lula voltou a definir o status de Zelaya como o de "hóspede" e disse que ele ficará lá "até que a OEA e a ONU decidam o que fazer".

Um jornalista da TV estatal venezuelana Telesur perguntou como o Brasil reagiria a uma eventual invasão da embaixada."Estarão cometendo uma violação que contraria todas as normas internacionais", respondeu Lula. "O território de uma embaixada é inviolável." Referindo-se ao período da ditadura militar, Lula lembrou que muitos brasileiros, argentinos e uruguaios "foram salvos" porque se refugiaram em embaixadas."São territórios de cidadania que as pessoas perseguidas podem ou não ocupar." Eacrescentou:"Nem a ditadura do (general chileno Augusto)Pinochet, que foi a mais sangrenta do nosso continente, violou uma embaixada”.

O impasse diante das negociações parece ter crescidotambém, já que o governo de fato de Honduras barrou ontem a entrada no país de uma delegação da OEA. O grupo de representantes da OEA tinha a expectativa de tentar costurar uma saída para a crise política no país, mas foi barrado no aeroporto e teve que embarcar para Miami, nos Estados Unidos.

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INTERNACIONAL E - M A I L : i n t e r n a c i o n a l . e m @ u a i . c o m . b r
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Presidente interino dá prazo de 10 dias para definir situação do líder deposto Zelaya e governo de fato declara que pode retirar status diplomático da representação do Brasil Lula rejeita ultimato e Micheletti ameaça embaixada HONDURAS

GEORGE FELIPE DANTAS E CARLOS EUGÊNIO BRITO*

A tradicional postura da “diplomacia invisível” do Estado brasileiro não parece hoje uma praxe, como já foi o caso antes. Com a atual visibilidade diplomática do governo brasileiro, a diplomacia do país parece diferir, na contemporaneidade, do que poderia lembrar-se a nação em termos de ortodoxia de suposta neutralidade e ausência da política externa do Brasil. Poder-seia até mesmo evocar uma tradição diplomática aparentemente descolada de conjunturas internas, com todos os ônus e bônus que isso pudesse implicar. Costumava ser percepção corrente no país que até mesmo seus operadores – os diplomatas – historicamente tivessem uma existência distanciada de seus homólogos nos demais setores do aparato estatal doméstico.

Aos olhos da nação, do homem médio, o tema das relações exteriores seria algo de existência quase “invisível”, tido até mesmo como elitista e dispensável em relação a temas mundanos do interesse nacional imediato. Isso sugeriria, ao menos aparentemente, uma desconexão real e prática da smúltiplas e complexas questões internas (saúde, educação e segurança, por exemplo), com as supostamente distantes questões externas (defesa, comércio exterior e cooperação bilateral e internacional, por exemplo), respeitado apenas o que existia de real interesse em relação a algumas poucas questões internas de segura e inequívoca articulação transnacional (comércio exterior de alguns produtos do setor primário, essencialmente: café, açúcar, etc.). Ou seja, afora uns poucos temas econômicos mais dependentes da conjuntura internacional autônoma do comércio exterior (preços fixados internacionalmente), de impacto certo na ordem política e econômica interna, as questões internacionais nunca estiveram, normalmente, na ordem do dia no Brasil.

Algo mudou na política externa do Brasil ao longo dos dois mandatos presidenciais do atual governante do país. Mas algo mudou também na conjuntura hemisférica que inclui a América Latina. A interdependência econômica e financeira global talvez seja esse fator de mudança. E ser líder em um tempo tal é poder influir em um sistema interdependente como o dessa “nova desordem internacional”, mas que é hoje altamente interdependente, ainda que assimetricamente. E Honduras é parte desse sistema, já que, nominalmente, é mais um país, como qualquer outro, entre os aproximadamente 200, de igual valor de voto na comunidade das nações (como na Assembleia Geral das Nações Unidas).

A crise hondurenha envolve, em síntese, um presidente legalmente eleito e em pleno mandato, que em um blefe político resolve ignorar a Constituição daquele país para convocar, por decreto, uma consulta popular sobre a possibilidade de reeleição. O Parlamento e a Suprema Corte hondurenhos reagiram prontamente. Zelaya é deposto, preso e deportado para o exterior.

O problema maior é que esse ato de força das autoridades e lideranças políticas de Honduras teve a aparência,mitológica na região, de mais um golpe de Estado, pois envolveu a deposição de um presidente eleito com participação das Forças Armadas. Talvez por desconhecimento em relação ao ordenamento jurídico interno hondurenho, talvez por “neurose coletiva fóbica” à repetição de um passado autoritário tão repetido quanto sombrio na região, a opinião pública internacional, notadamente a mesma que hoje busca valorizar a ONU e o órgão internacional regional legitimo, a Organização dos Estados Americanos (OEA), decidiram condenar de pronto a situação.

Percebe-se que a crise é, destarte, resultado de elementos contextuais complexos e de atitudes inconsequentes (do ponto de vista moral, não do ponto de vista pragmático). Francamente considerando, não há como deixar de reconhecer que Zelaya buscou desrespeitar a Constituição de seu país em benefício próprio. Tampouco há como negar que a oposição a Zelaya, mesmo reagindo em conformidade como ordenamento jurídico nacional, o fez de modo inadequado, envolvendo as Forças Armadas e, maisque rápido, deportando umpresidente eleito. A comunidade internacional, por sua vez, “comprou”a versão de que o ocorrido constituía inequivocamente mais um herético golpe de Estado centro-americano.

Para essa mesma comunidade internacional mudar de posição, ou ao menos retroceder, agora, pode sinalizar uma atitude de fraqueza no intricado jogo de poder em que tudo isso se desdobra. Estados Unidos, Brasil e a conturbada Venezuela participam desse conflito interno de Honduras, como protagonistas de fato, atentos às oportunidades, para cada um deles, no mais recente episódio regional desse jogo. Não há muito para o Brasil ganhar ou perder em relação aos desdobramentos internos da crise hondurenha, ao menos em termos práticos, no que tange à relação bilateral Brasil-Honduras. Provavelmente, aprópria crise se auto extinguirá com a realização de eleições, já próximas, das quais pode resultar, inclusive, um indulto ao que tenha havido de desviante na conduta do “ex-presidente” Zelaya, parte generosa de um acordo maior, costurado sob os auspícios da ONU e OEA, para acabar com o conflito. Emverdade, o Brasil, ao que parece, só poderá sair fortalecido dessa aparente crise internacional, ao ombrear-se e atuar proativamente, de maneira pragmática, junto com relevantes atores envolvidos, especificamente os EUA e a Venezuela. O primeiro deles,em aparente desdém respeitoso, mas pugnando a retórica da legalidade em relação à Constituição de Honduras, mas já de mãos cheias com a conjuntura de uma América Latina em que o grandiloquente Hugo Chávez é fato novo, igual ou mais visível e insinuante que o próprio contencioso político-ideológico cinquentenário entre os EUA e Cuba.

A Venezuela, por sua vez, não parece capaz, ao menos neste momento, de competir com uma diplomacia reconhecidamente eficiente como é o caso da brasileira, apesar de ter sido, nos estágios iniciais da crise,a maior responsável pela “popularização”da versão segundo a qual a deposição do presidente hondurenho fosse resultado de um golpe de Estado, o que resta ser comprovado em termos objetivos. E a história das crises internacionais certamente dará conta disso...

O Brasil apoiou Zelaya, expressamente, em termos morais, enquanto presidente eleito. Acada dia que passa as condições de fato do retorno dele ao poder vão sendo diminuídas pela proximidade das eleições. E o Brasil certamente não contestará o resultado desse novo pleito. Ou seja, é um jogo de tempo em que a crise hondurenha se resolverá por si própria, com o Brasil tendo desempenhado um papel moral aceitável por todos os lados, demonstrando que pode liderar a comunidade a que pertence de maneira legal e eficaz. Isso tudo se nada de excepcional ocorrer, com Zelaya se portando apenas como mais um hóspede ilustre, porém inadequado, da Embaixada do Brasil em Tegucigalpa, ao mesmo tempo em que as forças militares e policiais locais sejam capazes de manter a lei e a ordem, enquanto se aproxima o novo pleito e um novo presidente será eleito. Em tais condições, certamenteoBrasil ganhará politicamente, ainda que “por WO”. E o que mais existiria por ganhar?

* George Felipe Dantas é doutor em políticas públicas pela George Washington University (EUA). * Carlos Eugênio Brito é mestre em relações Internacionais pela London School of Economics (Reino Unido)

Prós e contras diplomáticos
EDGARD GARRIDO/REUTERS

Na Embaixada do Brasil, em Tegucigalpa, presidente deposto Zelaya fala ao telefone

A comunidade internacional, por sua vez, ‘comprou’ a versão de que o ocorrido constituía inequivocamente mais um herético golpe de Estado centro-americano

Soldado pinta sobre pichações em favor do presidente deposto Zelaya, perto da missão brasileira
EDGARD GARRIDO/REUTERS

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