George Felipe de Lima Dantas
13 de janeiro de 2008
Criminalidade e registros criminais são duas expressões bastante diferentes, mas há quem queira, por desconhecimento ou outra intenção qualquer, fazer com que pareçam ter significados idênticos. A criminalidade é um fenômeno social que pode ser expresso como a incidência total de comportamentos desviantes da norma penal. Por exemplo, subtrair coisa alheira, como no caso do furto. Isso é absolutamente diferente do número de registros policiais de furto.
Em quase todas as situações de expressão quantitativa do fenômeno da criminalidade, o número de seus registros é significativamente diferente do seu número real. Aliás, é clássica a situação de que alguns delitos, ainda que de importante incidência e conseqüências, deixem de ser comunicados. É o caso, por exemplo, do estupro, já que ele envolve, via de regra, uma situação de grande constrangimento para suas vítimas e respectivos familiares (a intimidade social do indivíduo e da sua família e a intimidade biológica do próprio corpo de um ser humano).
Uma outra situação interessante é a percepção de um “falso aumento” da criminalidade, quando o que de fato aumentou foi o volume de seus registros. Ao reverso disso, existe também uma “falsa diminuição” da criminalidade, quando o que realmente aconteceu foi que a comunidade, por alguma razão (desesperança de resolução ou medo, por exemplo), passou a deixar de registrar os delitos sofridos. Em tal escopo, pode acontecer também o caso paradoxal de que, com uma melhor gestão da segurança pública as pessoas passem a acreditar e procurar as autoridades policiais, produzindo um “aumento de registros”, o que absolutamente não corresponderá a um “aumento da criminalidade”. Ou seja, melhores serviços prestados servirão de “libelo acusatório”contra os respectivos melhores servidores da segurança pública.
A divulgação de “índices de criminalidade” irregularmente produzidos historicamente (ou seja, produzidos com diferentes metodologias ao longo do tempo), pode causar grandes problemas políticos no que tange a manipulação deliberada ou mesmo o “equívoco não-intencional” da opinião pública, que poderá assim ficar “desinformada” ou “mal informada”...
Os chamados “índices de criminalidade” são obtidos pela divisão do número de registros de crime pelo número de habitantes da localidade de referência. Em seguida, o quociente da divisão é multiplicado pelo número da “base” em que o índice será referido. Assim, por exemplo, em uma cidade com 10 registros anuais de homicídio e população de 30 mil habitantes, o índice de homicídios será obtido da seguinte maneira: 10 dividido por 30 mil, do que resultará 0,000333; o número decimal será então convertido para uma “base” 100 mil: 0,000333 vezes 100 mil =33,3. No caso, o índice resultante será de 33,3 homicídios “por 100 mil habitantes”.
A “base 100 mil” é a mais utilizada em estudos epidemiológicos, razão pela qual, mesmo quando a população da localidade de referência é menor que 100 mil habitantes, ainda assim o índice poderá ser expresso naqueles termos. No caso hipotético acima, é interessante notar que a localidade tem apenas 30 mil habitantes, mas seu índice anual de homicídios é de 33,3 por 100 mil habitantes. Ou seja, o índice de 33,3 é apenas uma representação e não uma expressão real.
No mundo das representações estatísticas, portanto, é sempre necessário esclarecer o que o número apresentado quer dizer, ou seja, seu significado simbólico. A estatística é uma ferramenta matemática que produz e informa um”resumo simbólico histórico” do significado de grandes conjuntos de dados, como seria o caso dos homicídios anuais da localidade hipotética acima considerada. Isso não quer dizer, por exemplo, que jamais tenha havido 33,3 homicídios por ano naquele local, tampouco que a população tenha aumentado para 100 mil habitantes...
Os índices são também popularmente chamados de “estatísticas” ou de”estatística”, em uma referência ao capítulo da ciência matemática onde está contido tal conhecimento teórico. A estatística tem por objetivo obter, organizar e analisar dados, bem como determinar as correlações que eles eventualmente apresentem, tirando delas as conseqüências para descrição e explicação do que passou e inferências ou previsões tendo em vista o futuro. Mas “o futuro a Deus pertence”, como aponta o popular bordão, e toda e qualquer estatística pode ser confirmada, ou negada, por fatos futuros do “mundo real”.
A estatística é apenas uma ferramenta de aproximação das coisas e não uma “bola de cristal”. A estatística também serve para sugerir quanto pode existir de erro em índices atuais ou passados de um determinado fenômeno, a exemplo, materializados em índices de criminalidade equivocados, porquanto produzidos de acordo com diferentes equívocos metodológicos e/outécnicas divergentes. Isto seria possível verificar se um índice anual atual de homicídios de 33,3 por 100 mil habitantes (2006) fosse cotejado com índices menores do ano anterior (2005) em que a população foi considerada “para mais”, sendo depois corretamente estimada em2006. Ou seja, aumentando equivocadamente a população se produziria índices menores, como também, ao reverso, diminuindo o número bruto de delitos. Isso valeria também ao contrário. Diminuindo equivocadamente o número da população se produziria índices maiores, como também, ao reverso, aumentando o número bruto de delitos.
Assim é que a estatística baseia-se na medição do erro que existe entre a estimativa de quanto uma amostra representa adequadamente a população da qual foi extraída. Destarte, o conhecimento de teoria de conjuntos, análise combinatória e cálculo são indispensáveis para compreender como o erro se comporta e a magnitude dele. É o erro (erro amostral) que define a qualidade da observação e do delineamento de seus resultados. A faceta dessa ferramenta mais palpável é a estatística descritiva, por exemplo, como quando são produzidos índices de criminalidade.
A estatística está intimamente associada a assuntos políticos e negócios de Estado. Em italiano, “statista” significa “homem de Estado”, já no vernáculo alemão a palavra “statistik” designa “análise de dados sobre o Estado”. Ainda que formalmente estabelecida no vocabulário político desde o século XVIII, ela somente adquiriu um significado de coleta e classificação de dados no início do séculoXIX. Na atualidade, a estatística está intimamente associada a um estilo de gestão pública, na chamada “Era da Informação ou do Conhecimento”. Nada disso desfaz, entretanto, o enorme potencial político contido em diferentes tipos de índices, quocientes e fatores relativos a estatísticas, mormente quando o tema tratado diz respeitoao crime, criminosos e questões conexas.
É preciso cuidado e critério com a estatística, ciente de seus grandes efeitos sobre a formação de uma “opinião pública”, da qual derivará a própria “conduta defensiva” das pessoas em termos de “prevenção criminal”. Estar mal informado ou desinformado pode significar “correr riscos desnecessários” ou "temer o que de fato não existe"...
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