George Felipe de Lima Dantas
03 de fevereiro de 2008
Em apenas dois dias (3 de fevereiro de 2008) ficou materializado o que este autor já antecipara em um outro artigo (Estatísticas Criminais -Tudo Novamente? - 1º de fevereiro de 2008) , quando da difusão pela mídia dos resultados do estudo "Mapa da Violência" e que trata da distribuição dos homicídios com incidência anual nos mais de cinco mil municípios brasileiros. Ficou apontado naquele artigo de 1º defevereiro: "O impacto político e econômico de mais esse estudo logo se fará sentir, inclusive com o questionamento dos procedimentos e técnicas utilizados para sua consecução".
O primeiro questionamento da pesquisa já chegou e versa sobre a confiabilidade do quantitativo total apresentado correspondente ao número de homicídios, lançando uma interrogação acerca da validade do critério de inclusão de dados utilizado. O tema, logicamente, sempre merecerá atenção, já que a validade e a confiabilidade são atributos genéricos essenciais dessa ou de qualquer outra pesquisa, de acordo com os cânones universais da metodologia da pesquisa científica.
O estudo citado está referido, em seus aspectos essenciais, no artigodo autor do presente documento e disponível no sítio da "FederaçãoNacional dos Policiais Federais". O "Mapa da Violência", conforme é apontado comumente, foi divulgado no início deste mês de fevereiro de 2008, e tem como tema geral a questão das estatísticas criminais, mais especificamente dos índices de homicídios dolosos (em que houve intenção de matar) apresentados em base 100 mil ("por 100 mil habitantes") e com incidência no conjunto dos municípios brasileiros. Ele é chamado de "mapa" pelo fato de permitir a compreensão do fenômeno social que é a questão dos homicídios, em sua distribuição de frequência por milhares de unidades políticas - municípios - elementos mínimos constitutivos da estrutura geopolítica do que hoje é o Brasil (o número de municípios é variável ao longo do tempo e historicamente tem estado em expansão).
O "Mapa da Violência" foi realizado sob os auspícios, dentre outros órgãos, do Ministério da Justiça e consiste, resumidamente, da identificação e ordenamento sequencial dos índices de homicídios com incidência nos mais de cinco mil municípios hoje constitutivos dos 27 entes federativos, que por sua vez constituem a federação como um todo. A fonte do estudo, no que tange os dados utilizados, corresponde a registros médicos de "morte violenta por causas externas", diagnóstico médico inclusivo (engloba mortes por homicídios, suicídios e complicações de tratamentos médico-cirúrgicos, entre outras), constante do "Código Internacional de Doenças" (CID). O estudo não está, portanto, baseado em registros de ocorrências policiais, o que seria uma fonte primária direta, por excelência, e não indireta, de dados utilizados na produção de estatísticas criminais. Os homicídios referidos no estudo, destarte, terão sua validade assentada em registros de óbitos, e não, como no caso da utilização de fontes primárias diretas, na determinação da ocorrência delitiva pertinente à incidência penal respectiva, privilégio técnico da autoridade policial competente (boletim de ocorrência firmado por delegado de políciajudiciária).
A controvérsia estaria baseada, essencialmente, na dúvida acerca da exatidão dos resultados da pesquisa (confiabilidade de resultados), função de uma suposta contagem de apenas parte do número real de homicídios, ou seja, daqueles classificados formal e expressamente como homicídios pela autoridade médico-legal, mas não daqueles outros homicídios que permaneceriam "escondidos" sob a classificação de"possíveis homicídios ou suicídios", de "intenção indeterminada" ou "não-esclarecida" (validade do critério de inclusão de dados).
Isso levantaria inclusive uma suspeita de dolo em desinformar, a começar da parte da autoridade médico-legal, supostamente no intuito de mascarar dados de uma possível classificação técnica correta(homicídios no caso), mas que, revelados, teriam impacto político negativo sobre membros da mesma administração pública a que pertencem tais profissionais.
A hipótese da desinformação, no caso, parece elaborada demais, ao sugerir uma capacidade mistificadora médico-legal, tamanha, a ponto de produzir diferenças tão significativas como a de "esconder" metade dos casos reais de homicídios. Entre a ignorância e a certeza sempre estará a dúvida. Mas imaginar que os critérios de determinação de homicídios, sob a ótica médico-legal, possam ser tão tênues, é o mesmo que admitir que eles não existam. E eles existem...
A todas essas, surge assim a primeira controvérsia de uma série de possíveis outras acerca do "Mapa da Violência". A realização de pesquisas sempre estará sujeita a questionamentos quanto a seus objetos (no caso, registros de óbitos do fenômeno dos homicídios), objetivos (no caso, informação pública e subsídio para a gestão da segurança pública atuar no controle do fenômeno dos homicídios) e métodos (no caso, diagnóstico induzido a partir do cotejo histórico e comparado de estatísticas criminais da tipologia"homicídios" enquanto fenômeno social).
De toda sorte, é bastante positivo que o país tenha essa e outras pesquisas realizadas, tanto melhor se mantido o mesmo objeto, homicídios, mas utilizados outros métodos de pesquisa e outros critérios de coleta de dados, tanto de fontes primárias (diretas), quanto secundárias (indiretas). Ainda que o atingimento do conhecimento pleno não pareça factível (ele sempre será questionável...), ainda assim é necessário buscá-lo, já que essa busca, supostamente ingênua e imperfeita, fortalece o próprio conhecimento, atributo de sabedoria e perfeição.
O pensador inglês Francis Bacon (1561-1626) já apontava: "Se um homem começar por suas certezas, ele deverá terminar com dúvidas: mas se ele se conformar de começar com dúvidas, deverá terminar com alguma certeza.
Nenhum comentário:
Postar um comentário