4 de fev. de 2008

Álcool e vida em sociedade no Brasil: questões recentes

George Felipe de Lima Dantas
03 de fevereiro de 2008

É interessante refletir sobre as reações contrárias às recentes medidas do governo central do Brasil em relação ao consumo de álcool, em sua suposta relação com a questão da segurança nas estradas. A mídia noticiou amplamente as controvérsias surgidas no âmbito da comunidade comercial que trata de estabelecimentos onde são comercilizadas bebidas e de produtores delas, acerca da correta aplicação, ou não, da medida governamental. O mérito da questão, em sua perspectiva jurídica, é da competência dopoder respectivo.

Aqueles que argúem detalhes da aplicação das medidas normativas governamentais terão, e ao que parece já estão tendo, sua voz ouvida pela magistratura que cabe julgar a questão. Mas existe algo mais a ser examinado pela nação brasileira no momento de um embate judicial do gênero, e que, certamente, será pacificado como a lei manda, em um país que vive hoje a plenitude democrática que viceja sob a égide do Estado Democrático de Direito.

Não é preciso ser um douto operador do direito para compreender que qualquer norma deve refletir a busca do Bem Comum pelo Estado. Isso é intuitivo e deve-se a uma "lógica política" que torna possível a coesão de qualquer nação e a própria existência e funcionamento dela enquanto sociedade organizada. Em um momento como o atual, de grandes festejos nacionais do carnaval(quando os abusos do uso do álcool são comuns...), e de controvérsia entre membros da nação (ligados à produção e comercialização debebidas) e representantes do Estado, o que parece dever ser examinado pela nação, como um todo, e não apenas pelos operadores do direito aplicados ao caso específico, é a vontade da maioria quando se tratade disciplinar coisas tão díspares, mas ao mesmo tempo tão semelhantes de alguma forma, como é o caso do direito individual a fumar, de beber bebidas alcoólicas nos espaços públicos ou de "andar armado".

Todos esses "direitos", ao que parece, vis-à-vis pesquisas científicas, bem como a epidemiologia de doenças respiratórias e cardiovasculares (em consequência do tabagismo), de mortes no trânsito(decorrentes do ato de dirigir veículos após ingestão de bebidas alcoólicas), e de lesões provocadas por armas de fogo (função do porte e uso de armas), estão hoje sob intenso escrutínio da sociedade brasileira.

O tabagismo, ao que parece, função de numerosos estudos, pode ser identificado enquanto fator precursorde várias doenças, do que resulta hoje uma série de medidas legais restritivas do "direito de fumar", sempre que esse direito implique em fazer com que outros também tenham de inalar a fumaça do fumante, em um efeito epidemiológico que se convencionou chamar de "tabagismo passivo".

Já o porte de armas de fogo, cujo efeito social negativo está plenamente comprovado, está hoje sob forte restrição com o chamado"Estatuto do Desarmamento" editado em 2003, e que restringe o exercício de um antigo privilégio, muito mais permissivo no passado, de adquirir e portar armas de fogo em meio ao restante dos membros da comunidade.

– E quanto às bebidas alcoólicas? - Em relação a elas vivemos uma situação ainda de transição para uma tomada de consciência mais plena acerca dos malefícios sociais que elas podem produzir, principalmente quando consumidas nos espaços públicos.

A cidade de Diadema, em São Paulo, tornou-se um "estudo de caso" clássico nos meios acadêmicos e da gestão da segurança pública, ao lograr reduzir espetacularmente seus níveis de homicídios, simplesmente por disciplinar severamente os horários e locais públicos de consumo permitido de bebidas alcoólicas. A Expressão "espetacular"deve-se ao fato de que poucas, ou quase nenhuma variável independente(causal) já pode ser manipulada com tamanho sucesso quando se trata de controlar o fenômeno social dos homicídios. No caso em lide, o simples regramento do uso de bebidas alcoólicas nos espaços públicos produziu resultados significativos de tal ordem, como não se tem notícia com qualquer outro tipo de intervenção.

Evidentemente que não se trata aqui de argüir em prol de uma sociedade em que não se possa, de maneira alguma, fumar, "andar armado" ou beber bebidas alcoólicas. A chamada "Lei Seca", que teve de produzir até mesmo uma emenda ao texto constitucional norte-americano no primeiro quarto do século XX ( a chamada "prohibition"), não prosperou, talvez não em virtude de questionamentos sobre os malefícios do álcool, mas tão somente pelo fato de ter sido utilizada como um instrumento de cunho ideológico radical (marcadamente religioso...) e menos como medida equilibrada e parcial de controle social.

Não se poder beber em certas horas e lugares, diante de problemas que disso decorrem nos espaços públicos, parece totalmente distinto de, simplesmente, "ser proibido beber" ("lei seca" como se costuma referirno Brasil).

Apenas para se ter uma ideia do que a intoxicação pelo álcool pode produzir, de acordo com estudos norte-americanos, já relativamente antigos...

Em estudos com animais e seres humanos, o álcool, mais que qualquer outra droga, tem sido vinculado a uma alta incidência de violência e agressão.'' (Sétimo Relatório Especial ao Congresso dos Estados Unidos acerca de Álcool e Saúde —Ministério da Saúde dos EUA, 1990). De acordo com ele, certas modalidades de crimes estão intimamente relacionadas com o uso de álcool e de outras drogas. Estupros e diferentes formas de conflitos ou delitos interpessoais, bem como conflitos que resultam em lesões corporais e homicídios, frequentemente estão relacionados com o consumo de álcool pelo autor do crime, pela vítima, ou mesmo por ambos. De acordo com estudos do passado recente, Somente nos EUA, estima-se que o custo econômico da ''criminalidade vinculada ao álcool'' seja de US$61,8 bilhões.

A necessidade da adoção de políticas de prevenção de problemas de saúde e de segurança pública relacionados com o uso de álcool e de outras drogas fica bastante clara quando do exame das seguintes estatísticas norte-americanas:- O álcool é um ''fator causal'' em até 68% dos casos de homicídios culposos (muitos deles resultantes de acidentes de trânsito), 62% das agressões físicas, 54% dos homicídios e tentativas de homicídio dolosos (com a intenção deliberada de matar), 48% das ocorrências de roubos e 44% dos casos de arrombamento.

Considerando a população prisional dos EUA, 42,2% dos estupradores relatam que estavam sob a influência de álcool ou de uma combinação de álcool e de alguma outra droga no momento em que cometeram seus crimes.

Um outro detalhe importante, numa ''palavra final'' acerca de políticas públicas (legislação inclusive) com o fito da preservação ou melhoria da qualidadede vida nas comunidades do Brasil pelo regramento do consumo de álcoolem locais públicos.

Grande parte dos delitos interpessoais tem como vítima alguém que é, de alguma forma, ''próximo'' do autor (parentes, cônjuges, vizinhos, amigos, etc.). Conter o abuso do uso do álcool nos espaços públicos, positivamente, deverá resultar numa diminuição dos conflitos e danos resultantes do crime e da violência no seio das próprias comunidades e famílias. Diante de todas essas constatações sobre o efeito do álcool etílico e dos dados já conhecidos nacionalmente que colocam o Brasil entre os países com as maiores taxas de homicídios do mundo, a nação brasileira poderá, ainda assim, decidir por não aceitar nenhum tipo de regramento sobre o uso de bebidas alcoólicas em seus espaços públicos. Se assimacontecer, assim terá de ser. O povo é soberano. -

Será que o povo decidirá de tal maneira?! - Essa discussão está apenas começando...

3 comentários:

Anônimo disse...

Caro Felipe!
Li sua análise sobre as "Estatísticas criminais no Brasil: a vez dos municípios..". Não há nada para criticar. Você escreve com muita propriedade ao expor sua opinião sobre a realidade da situação criminal do nosso país.
É muito triste imaginar o quanto estamos vulneráveis até mesmo em cidades pequenas ou bairros antes considerados tranquilos...
O que vemos hoje é a total banalização da vida.
Graças a comentários do seu blog, posso, enfim, aumentar meu interesse sobre o assunto.
Gosto de suas idéias, conceitos e ensinamentos.
Tenha a certeza, estou aprendendo muito!
Um abraço
Carmen

Anônimo disse...

Caro Felipe!
Álcool e direção definitivamente não combinam!
Sou irmã de uma vítima fatal do uso abusivo do álcool. Por isso, alegra-me saber que, enfim, há uma Lei que proíbe a venda de bebidas alcoolicas nas estradas.
Temos, sim, que começar, urgente, essa discussão. Chega de tanta violência no trânsito.
O motorista que teima em dirigir sob o efeito do álcool deve ser punido rigorosamente.
É lamentável relembrar esse assunto, pois o que deveria ser um almoço em família se transformou num velório.
Até quando vamos assistir o aumento desta triste estatística?
Um abraço
Carmen

Anônimo disse...

Prezado Felipe.

Li sua matéria e achei muito interessante sua explanação. Ela vem de encontro ao que estamos colocando em prática aqui no município de Guaramirim-SC, onde conseguimos aprovar no início deste ano de uma Lei que proíbe a venda e o consumo de bebidas alcoólicas nos logradouros públicos. Pelo que já estudei, nosso município é pioneiro. Para sua informação, sou Capitão da Polícia Militar e comando a Companhia em Guaramirim e estou realizando curso de Pós-graduação "lato sensu" em Segurança Pública e o tema de minha monografia é: A restrição ao consumo de bebidas alcoólicas como medida preventiva da criminalidade.
Fico a disposição para trocarmos informações no E-mail vonk@pm.sc.gov.br

Um abraço

Rogério Vonk
Capitão PMSC