8 de dez. de 2007

PADRÕES DE POLICIAMENTO

George Felipe de Lima Dantas -- 2002

David Bayley é dos poucos pesquisadores autores estrangeiros em segurança pública já traduzidos para o português. Sua obra tem por título "Padrões de Policiamento". Ela é um estudo comparativo da atuação da polícia em diferentes países, trazendo um pequeno ensaio sobre o "caso Brasil" e uma visão da situação no restante da América Latina. O autor afirma que "a organização da polícia deve ser modificada para o exercício efetivo da função preventiva, ao invés de esperar que os fatos se ajustem à sua organização atual...” O contexto referencial é o norte-americano, país onde o sistema de segurança pública passa por uma grande transição da chamada “era clássica” para a do “policiamento comunitário”.

A gestão da justiça criminal de alguns países, hoje em relativa ordem e paz social, passa por essa transição da "era clássica" para a do "policiamento comunitário". Ainda assim, o próprio Bayley afirma que "nos Estados Unidos da América (EUA), o policiamento comunitário é mais freqüentemente uma aspiração do que uma realidade implementada". Ele refere, substantivamente, a priorização da prevenção em lugar da repressão, ou o comunitário ou proativo em contraponto ao modelo "profissional clássico" reativo (a polícia que principalmente responde, ou reage ao crime consumado...).

Aqui é diferente... A situação brasileira diz respeito a antigas questões estruturais idiossincráticas à nossa realidade local, caso do velho contencioso da unificação e desmilitarização das polícias, questões tão à baila nos dias atuais, em que pese a grave crise da segurança pública que vivemos. È como querer reorganizar a unidade de emergência do hospital em meio a uma calamidade pública...

O paradigma, bastante atual, da função preventiva, ao qual faz referência o autor norte-americano, tem por premissa básica a resolução de potenciais problemas com o concurso da própria comunidade, que passa a ter um papel ativo e coordenado com o poder público, no sentido da promoção da sua própria segurança. Os pontos principais dessa nova filosofia de gestão incluem programas de prevenção criminal baseados em ações conjuntas polícia/comunidade; aumento da capacidade da comunidade em responsabilizar a autoridade policial e descentralização dos comandos policiais, face a necessidade de dar autonomia a esses novos "agentes policiais comunitários", com acrescido poder decisório e de articulação direta com a sociedade. Não parece que haja paralelo entre nossos "policiais de linha" e os dos países em que isso possa funcionar... Cabos e Soldados, Agentes e Inspetores, a maioria esmagadora de nossos agentes da segurança pública, jamais tiveram algo próximo desse tipo de poder. Por que teriam agora?!

Enquanto isso, a questão policial brasileira, na atualidade, está muito mais centrada no exame e crítica da "estrutura" do sistema de justiça criminal do país como um todo, que mesmo no modelo e filosofia com que hoje ele opera. Todos os segmentos do Poder, e da própria Sociedade Civil, imaginam hoje algo como um "modelo ideal" de sistema de justiça criminal para o Brasil. A esse respeito, há quem sustente que a "fórmula mágica" seja uma polícia única para substituir o modelo atual de duas polícias estaduais... Entre outros argumentos por uma polícia única: ineficácia; dispêndio; irracionalidade; obsolescência; falta de efetividade; corrupção; interesse das lideranças na manutenção do "status quo" (ao contrário do interesse daqueles que alguns chamam de "baixo clero"); interpenetração das atividades ostensivas e investigativas; duplicidade jurisdicional e até mesmo o fato da nossa estrutura policial remontar, em sua concepção, ao Século XIX... Oportuno lembrar que grande parte dos fundamentos políticos das repúblicas atuais remonta ao Século XIX, Ou mesmo antes disso... Afora algumas poucas questões bastante específicas, caso da interpenetração de atividades operacionais e da redundância de certas atividades jurisdicionais, as críticas citadas podem ser aplicadas ao próprio Estado brasileiro como um todo. A pergunta que surge é: qual a certeza de que unificado o sistema policial teríamos uma maior efetividade no controle da criminalidade e da violência? -Difícil responder, se não for pela via ideológica e opinativa...

David H. Bayley, em outra obra, "Police for the Future" [Polícia para o Futuro (ainda não traduzida)], argumenta que "a polícia não só não consegue prevenir o crime, como tampouco poderia lograr faze-lo". O conceito remete o leitor a toda uma "cultura política e administrativa da gestão da segurança", e que transcende os organismos policiais propriamente ditos, na medida em que mostra o problema como uma "questão de Estado", envolvendo vários outros setores do poder público. A efetividade da segurança pública, parece, demanda uma liderança afinada não só com esse tema específico, mas com toda uma política estrutural de gestão que lhe é correlata.

O argumento da unificação, entretanto, pelo caráter específico da realidade brasileira, carece de sustentação alicerçada em boa pesquisa acadêmica e que, em não existindo, dá conformidade apenas ideológica e opinativa aos seus proponentes. Não existe hoje no Brasil, e parece nunca ter existido antes, uma "política de segurança pública". Talvez, por isso mesmo, seja temerário afirmar que a solução do problema da atual "insegurança pública" passe necessariamente por mudanças estruturais nos órgãos que compõem o sempre tão detratado organismo de segurança pública.

Nesse quadro de "vazio de liderança do Estado", as ações da Secretaria Nacional de Segurança Pública (SENASP) do Ministério da Justiça, em seus vários desacertos do passado recente, são uma prova rotunda de que, antes mesmo de tocar na questão da dualidade polícia civil & polícia militar, falta ao governo federal encontrar formulações básicas de efetividade na gestão do setor.

Segurança pública não parece ser um problema setorial da gestão, mas sim uma questão geral, ampla e profunda da crise atual do Estado. A Colômbia que o diga...

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