29 de nov. de 2007

NOVOS RUMOS DA INTELIGÊNCIA POLICIAL

por George Felipe de Lima Dantas

INTRODUÇÃO


A “atividade policial guiada pela inteligência” (“intelligence-led policing”) é um termo que muito recentemente começou a ser utilizado no Canadá e Estados Unidos da América (EUA). Função até mesmo dessa novidade de uso, a expressão ainda não tem uma definição única, plasmada pelo consenso geral. Mas é de entendimento comum, entretanto, que a “atividade policial guiada pela inteligência” inclua, fundamentalmente, a coleta e análise de informação para elaboração de um produto final—conhecimento—criado para instrumentar o processo decisório da gestão policial, tanto através da análise criminal tática quanto estratégica.

ANÁLISE CRIMINAL TÁTICA


A atividade de inteligência policial, através da análise criminal tática, consiste em um processo de produção de conhecimento que dá suporte às atividades operacionais de investigação e policiamento ostensivo. Entenda-se que a análise aqui referida compreende o ato de separar as diversas partes do fenômeno da criminalidade, examinando cada uma delas com o fito de conhecer sua natureza, proporções, funções e relações. Assim, a análise criminal tática tem como propósito subsidiar uma pronta resposta às ocorrências criminais havidas em um determinado tempo e lugar. O conhecimento produzido pela análise tática é instrumental para a gestão dos elementos operacionais, através da determinação de padrões e tendências criminais de um determinado espaço geográfico-temporal, usualmente favorecendo a prisão de delinqüentes.
O objetivo da análise criminal tática, portanto, é a identificação de “tendências” imediatas (evolução quantitativa e respectiva distribuição espaço-temporal), bem como dos “padrões” correntes da criminalidade (modus operandi), aí incluídas seqüências de baixa, média e alta freqüência de ocorrências, bem como a determinação dos chamados “pontos quentes”, locais de rápida acumulação de fatos delituosos.

Um “ponto quente” é uma condição ou estado que indica alguma forma de aglomeração em uma distribuição espaço-temporal de ocorrências criminais. A título de apresentação de “um critério dentre vários”, o Departamento de Polícia da Cidade de Baltimore (Maryland, EUA) identifica os pontos quentes de sua área de jurisdição de acordo com um “triplo critério”: freqüência (f), posição geográfica (g) e tempo de intervalo das ocorrências (t). Para que um ponto seja considerando “quente”, pelo menos dois delitos deverão ter ocorrido (f maior ou igual a 2) em uma pequena área do espaço geográfico (g), em um espaço temporal não maior que o de uma a duas semanas entre as ocorrências (t menor que sete a 14 dias ).


A análise tática inclui a associação de dados relativos a ocorrências específicas com informação advinda de grandes bases históricas de dados de ocorrências policiais, visando o estabelecimento de relações de pertinência de variáveis (correlações), tais como método (modus operandi), data-hora, local, e veículo(s) utilizado(s), entre outras tantas possibilidades. Tudo isso tem como finalidade a identificação e prisão de criminosos. Em outras palavras, através da identificação de aspectos específicos de ocorrências do fenômeno da criminalidade, a análise tática produzirá indicações que levarão a um rápido esclarecimento de casos/ocorrências, através da vinculação de um determinado indivíduo ou grupo deles e seu modus operandi à autoria de um delito que esteja sendo investigado num dado momento.


ANÁLISE CRIMINAL ESTRATÉGICA

A atividade de inteligência policial, através da análise criminal estratégica, está voltada para a resolução de potenciais problemas de segurança pública de médio e longo prazos. Ela é elaborada tendo por base “projeções de cenários”, formuladas a partir de possíveis variações dos indicadores de criminalidade. A análise criminal estratégica inclui a realização de estudos e a respectiva elaboração de planos para a identificação e aquisição de recursos futuramente necessários para a gestão policial.


Também pode ser considerado que esse tipo de análise está voltado para a formulação de estratégias operacionais na busca de soluções para problemas gerais de natureza corrente. Assim, através dela se produzirão informações para a alocação dos recursos institucionais na atividade fim, incluindo a configuração das áreas físicas de atividade policial, bem como os dias, horários e formas de emprego da força policial. Com tal tipo de análise será buscada a identificação de atividades criminais correntes, fora do seu padrão comum de ocorrência, a exemplo, com freqüência superior aos valores usuais e/ou consumadas em tempos diversos da sua distribuição sazonal regular.

A atividade de análise estratégica identifica condições anômalas na segurança pública, possibilitando um redimensionamento da prestação dos serviços policiais, otimizando assim sua efetividade, eficácia e eficiência. Tais atributos ficam manifestos na redução ou supressão de problemas crônicos, podendo eventualmente contribuir para isso a implementação de políticas comunitárias e de resolução de problemas na gestão da segurança pública.

A gestão policial, ao adotar a filosofia do policiamento comunitário, muda sua atividade clássica, tradicionalmente reativa e focada no chamado "combate ao crime". Conforme tal paradigma, comunidade e polícia passam a interagir, gerando conhecimento para a busca de soluções para uma extensa gama de problemas de segurança pública. Entre tais problemas estará não só o "controle" do crime e da violência" (em contraposição ao antigo conceito de "combate ao crime"), como também a neutralização da "sensação de insegurança" trazida pelo medo do crime e da desordem.


A “ATIVIDADE POLICIAL GUIADA PELA INTELIGÊNCIA”

A “atividade policial guiada pela inteligência” é um modelo de atividade policial em que a inteligência serve como guia para realização de atividades policiais, em lugar do reverso disso. O conceito é inovador, e de certa forma radical, já que está baseado na moderna premissa da gestão policial de que a principal tarefa da polícia é prevenir e detectar a criminalidade, em lugar de apenas reagir às ocorrências consumadas deste fenômeno social.


A gestão policial, no mundo inteiro, vem lidando com óbices a cada dia maiores. O velho “fazer” da atividade policial, modernamente enfrenta situações em que forças econômicas, sociais e políticas produzem efeitos que permeiam todas as atividades humanas. Se considerarmos como fato positivo para o entendimento da criminalidade pela gestão policial a noção de que a motivação fundamental da delinqüência continua sendo o velho conceito da ambição, o mesmo já não acontece em relação aos recursos e oportunidades dos criminosos. Os recursos e oportunidades da criminalidade aumentaram exponencialmente, bem como o tamanho dos ganhos potenciais respectivos. A atividade policial precisa hoje lidar com modalidades do fenômeno da criminalidade que seriam irreconhecíveis por policiais uma geração antes. Some-se a isso o fato de que a gestão policial é cada vez mais tensionada por uma situação econômica em que os recursos de gestão são cada vez mais escassos.

O velho padrão de gestão reativa, conforme aponta a atual situação caótica da segurança pública brasileira, bem como em outros países do mundo, já não é mais viável. Também já não são mais tão aplicáveis velhos modelos de percepção do fenômeno da criminalidade e do comportamento criminal. A moderna gestão da inteligência policial, enquanto força propulsora dessa atividade essencial, pode ser um fator chave para a sobrevivência das atuais instituições policiais do Brasil.
Qualquer que seja o modelo específico de “atividade policial guiada pela inteligência”, tal paradigma de gestão demandará forte comprometimento institucional, capaz de superar velhas práticas e preconceitos. Seus gestores deverão estar preparados para distanciarem-se de velhos métodos e técnicas; terão de acreditar firmemente que as operações policiais podem, e devem, ser guiadas pela atividade de inteligência; terão ainda que pautar como princípio a ação, e não a reação, em uma "virada histórica" em relação ao antigo paradigma reativo. Deverão, enfim, acreditar no processo de produção de conhecimento que a inteligência policial enseja, confiando em suas avaliações e recomendações. Tudo isso é bastante difícil e, de certa forma, doloroso, considerando que implica mudar.

Um comentário:

Anônimo disse...

Muito bom os seus textos. Acho que a parte mais dificil de se conseguir a aplicação da inteligencia para a prevenção, para a ação ao invés da reação vai ser a mudança de mentalidade, principalmente no que tange à tentativa de resposta imediata das policias após um fato de grande repercusão. Logo após o acontecimento de um fato(roubo, homicídio),de grande repercussão é aumentado o número de policiais em uma determinada região, depois com o aconteciomento de outros crimes em outra regiãogrande parte dos policiais que estavam na primeira região remanejado para a nova área, nunca pensando a médio e longo prazo, somente no imediatismo da resposta.