4 de mar. de 2011

A CAPACITAÇÃO DAS UNIDADES POLICIAIS DE OPERAÇÕES ESPECIAIS (POR RODRIGO MÜLLER)


postado por George Felipe de Lima Dantas
em 04 de março de 2011


A CAPACITAÇÃO DAS UNIDADES POLICIAIS DE OPERAÇÕES ESPECIAIS
Por Rodrigo Müller*


O recrudescimento da criminalidade exige do poder constituído medidas adequadas e enérgicas para combater de forma ampla as causas e os efeitos que as ações delitivas impõem à sociedade. O empirismo das estratégias e ações policiais têm cedido lugar a atuações melhor planejadas e cientificamente embasadas em aspectos doutrinários.

Quando as Unidades Policiais (UPs) convencionais são insuficientes para atuar em situações de crise de alto risco, entram em ação as chamadas Unidades de Operações Especiais (UOEsps). As UOEsps por sua natureza, são embasadas em uma mística própria, com doutrinas, táticas e técnicas peculiares que as transformam em entidades únicas nos contextos dos diversos organismos policiais aos quais estão vinculadas, muitas vezes adquirindo características próprias que as apartam do meio policial ordinário, criando uma espécie de policial com motivações diversas das de seus pares genéricos.

A Doutrina de Operações Especiais foi idealizada com o objetivo de forjar Operadores mais capacitados no atendimento de ocorrências de alto risco, crises com reféns dentre outras situações de alta complexidade.

A Doutrina de Operações Especiais

A doutrina tem como finalidade precípua orientar, sistematizar e coordenar todas as atividades das Operações Especiais, estabelecendo as bases para a organização, o preparo e o emprego destas Unidades especializadas.

Um princípio doutrinário importante, inerente a toda UOEsp é o que conceituamos como “Ciclo Completo das Operações Especiais”.

O ciclo completo das Operações Especiais (FIGURA) são características e etapas pelas quais todas as Unidades de Operações Especiais devem passar. Quando efetivamente implantado, mostra a maturidade do grupo, conseguindo atingir todos os estágios de sua evolução.

A primeira etapa deste ciclo é TREINAR. O grupo em sua formação deve treinar, buscando a formação inicial dos Operacionais. Preferencialmente, deve buscar o auxílio de outra UOEsp para a formação básica de seus integrantes. Historicamente observamos essa tradição, tendo como exemplos a Força Delta dos Estados Unidos da América, que foi formada pelos SAS (Special Air Service) britânico, a SWAT de Los Angeles pelos Fuzileiros Navais (Marines), entre outros.

Após a formação básica dos Operacionais, a UOEsp deve manter o treinamento com o objetivo de definir sua doutrina própria. Neste momento, a Unidade envia seus integrantes para diversas outras UOEsps, visando reunir táticas e técnicas de diversas correntes doutrinárias, obtendo conhecimento, comparando realidades e definindo suas necessidades tendo em vista suas características regionais.

Concomitante a esta etapa, a UOEsp deve estar já OPERANDO, ou seja, pondo em prática todos os ensinamentos obtidos na fase inicial de treinamento. É operando que os integrantes da Unidade poderão efetivamente observar se as técnicas aprendidas funcionam dentro de suas realidades. O conhecimento é testado a todo instante, a fim de fortalecer o que foi compreendido e que deve ser incessantemente checado, visando reforçar a doutrina há pouco estabelecida.

Com sua doutrina própria estabelecida, reforçada pelos treinamentos constantes, já tendo obtido experiência de forma individual pelos integrantes e coletiva pelas Operações realizadas, a Unidade passa a DAR TREINAMENTO. Este último estágio do Ciclo completo das Operações Especiais garante que as experiências obtidas nas outras duas fases poderão ser aproveitadas por outras UOEsps, em um processo de renovação constante, onde aprimoram-se tanto os que recebem quanto os que ministram o treinamento.

O treinamento em Operações Especiais

Em Operações Especiais, o treinamento é dividido em 3 aspectos básicos: O treinamento físico, o treinamento técnico e o treinamento tático.

O treinamento físico é a base para o treinamento de atletas, esportistas e profissionais do esporte. Através do treinamento físico é que se condiciona o corpo para a prática esportiva, para atividades de impacto ou esportes de alta performance, aumentando a força e a massa muscular, diminuindo o percentual de gordura, aumentando a flexibilidade, melhorando as capacidades aeróbica e anaeróbica, enfim, melhorando o condicionamento físico geral.

Assim, entendemos que os objetivos do treinamento físico dos Operadores de Unidades de Operações Especiais são basicamente os seguintes:

a) Desenvolver, manter ou recuperar a aptidão física do Operador, necessárias para o bom desempenho das missões de Operações Especiais;

b) Contribuir para a saúde do Operador, garantindo o treinamento físico como fonte de diminuição do stress físico e psicológico;

c) Auxiliar no adestramento da Unidade, utilizando o treinamento físico como um instrumento de padronização de movimentos técnicos, deslocamento de grupo e trabalho em equipe.

As técnicas utilizadas em Operações Especiais são as empregadas na utilização de equipamentos, habilidades e procedimentos que também são executados por profissionais convencionais. O que as diferencia basicamente é a performance obtida, eis que os Operadores devem sempre ser os mais qualificados e de melhor desempenho na aplicação das técnicas.

Como exemplo, temos a técnica de tiro, que basicamente é a mesma, na utilização de uma arma de fogo. O mesmo processo técnico de efetuar um disparo com uma pistola é feito pelo convencional e pelo Operador, mas o desempenho não pode ser o mesmo. O Operador, pelas características de sua missão, deve possuir um desempenho acima da média do que se espera do convencional. O Operador pelas características de sua missão, possui muito menos chances de errar um alvo, sem colocar-se em risco imediato, ou a um terceiro.

Assim, entendemos que os objetivos do treinamento técnico dos Operadores de Unidades de Operações Especiais são basicamente os seguintes:

a) Desenvolver, manter ou otimizar a coordenação motora do Operador, auxiliando-o na compreensão dos movimentos necessários para o bom desempenho das técnicas empregadas nas Operações Especiais;

b) Aperfeiçoar ao nível máximo as habilidades individuais dos Operadores em cada modalidade técnica de Operações Especiais, bem como as habilidades coletivas, visando a maestria da Unidade em suas funções;

c) Auxiliar no adestramento da Unidade, utilizando o treinamento técnico como um instrumento de padronização da doutrina da Unidade.

Para as Operações Especiais, táticas são as habilidades e procedimentos extraordinários aos convencionais, aplicados aos equipamentos, estratégias e planejamentos, diferentes dos aplicados em ações e por profissionais convencionais.

Assim, a tática empregada por uma UOEsp para a tomada de uma edificação difere diretamente daquela empregada por uma Unidade convencional, tanto em sua aplicabilidade, como em seus equipamentos, planejamento e procedimentos utilizados.

As opções táticas estão sempre vinculadas as possibilidades técnicas, uma vez que estas dependem das habilidades desenvolvidas pelos Operadores e pela Unidade.

Escolher a tática de inserção helitransportada no terraço de uma estrutura tomada como fortaleza por perpetradores de um evento criminoso sem que o Grupo tenha o conhecimento técnico de como fazê-lo, não transformará este M.O.E. (método de entrada) em algo possível, pela ausência de domínio da técnica de como fazê-lo.

Da mesma forma, o domínio da técnica vertical de rapel é completado com a habilidade tática de inserção em um ambiente vertical (edifício) através de uma janela, adicionando assim ao Grupo de Assalto uma possibilidade de invasão não-convencional, típica das Operações Especiais.

Dessa forma, é importante separar o conceito de tática do de estratégia, para as Operações Especiais.

No treinamento tático, busca-se desenvolver os sistemas mais complexos, tanto ofensiva quanto defensivamente, por intermédio das estratégias. Essa relevância é atribuída à definição de uma doutrina prévia da Unidade, determinando suas ações e procedimentos, que balizarão o direcionamento do treinamento e a forma de executá-lo.

Dessa forma, entendemos que os objetivos do treinamento tático dos Operadores de uma Unidade de Operações Especiais são basicamente os seguintes:

a) Desenvolver, manter ou otimizar o conjunto de táticas disponíveis aos Operadores, auxiliando-os na compreensão das técnicas disponíveis bem como novo emprego tático das mesmas, fundamentais para o bom desempenho nas Operações Especiais;

b) Aperfeiçoar ao nível máximo as habilidades táticas individuais dos Operadores em cada técnica de Operações Especiais empregadas pela Unidade, visando a maestria em suas funções;

c) Auxiliar no adestramento da Unidade, utilizando o treinamento tático como um instrumento de padronização de sua doutrina.

d) Desenvolver novas formas de emprego de táticas especiais para a obtenção do sucesso nas ações empregadas pela Unidade.

O objetivo do treinamento nas UOEsps é também aprimorar a memória muscular dos Operadores.

A memória muscular está relacionada com a memória procedimental, ou seja, é a memória dos atos motores, do saber fazer alguma coisa. É a memória para hábitos ou habilidades e está ligada a aquisições de vivências que fornecem ao indivíduo a capacidade de evocar as experiências passadas, resgatando as informações do comportamento motor para realizar da melhor maneira possível, por uma necessidade imposta ao indivíduo, realizar um evento no tempo presente.

Ela está relacionada ao condicionamento clássico, a repetição de movimentos, sendo ativada por determinados estímulos, fazendo o indivíduo agir mecanicamente.

Dessa forma, o treinamento constante das técnicas e táticas especiais, faz o Operador responder quase que mecânica e instintivamente os procedimentos e movimentos que podem salvar a sua vida ou a de outrem, durante uma situação de crise.

Incorporar nos treinamentos técnicos e táticos exercícios que priorizem o desenvolvimento desta memória procedural facilita o aprendizado do Operador e garante que seu tempo de reação será o mínimo possível e sempre dentro das doutrinas técnicas estabelecidas pela Unidade.

Rodrigo Müller, advogado, Especialista em Segurança Pública (RENAESP/UNEMAT), presidente da Müller Consultoria & Treinamento, atua há mais de 15 anos na capacitação de Unidades Policiais de alto nível, grupos de Operações Especiais e forças da lei. (http://www.mullertreinamento.com.br)

2 comentários:

Prof. Gustavo André disse...

Muito bom esse texto, bastante didático! É interessante ver como as unidades de operações especiais possuem um cuidado na formação, que deveria ser parte de todas as unidades! Pelo menos, neste momento atual, onde a formação normal é tão precária!

Blogandosegurança disse...

Prezado Professor Gustavo André:

Obrigado pelo comentário. Para sua informação e dos leitores interessados no tema, o autor do artigo (Rodrigo Müller) tratou do mesmo tema em monografia apresentada como pré-requisito de conclusão de curso de pós-graduação em segurança pública (concluído em março de 2011) da UNEMAT/Escola de Governo de Mato Grosso.