24 de jan. de 2011

Terrorismo: consenso, definição e estratégias globais de contenção


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postado por Geo0rge Felipe de Lima Dantas
em 24 de janeiro de 2011


Terrorismo: consenso, definição e estratégias globais de contenção





Coautores: George Felipe de Lima Dantas e Izabela Pereira (Mestre em Relações Internacionais, Estudos de Paz e Resolução de Conflitos -- Especialista em assuntos políticos e econômicos -- Atuante em Timor Leste e no Haiti)





A comunidade das nações não tem, e parece que não pode mesmo ter, uma definição abrangente, comum e precisa do que seja terrorismo. Corolário disso, o tema é objeto de estudo de diferentes ciências, em variados “recortes”, aí incluídas desde as abordagens das ciências comportamentais, passando pelas ciências políticas e sociais, chegando finalmente nas ciências políticas e jurídicas. Controvérsias envolvendo casos de concessão de asilo político e pedidos de extradição são mera conseqüência de tudo isso, como parece ser o caso em relação ao contencioso hoje estabelecido entre o Brasil e a Itália no que se refere ao chamado “caso Battisti”.

A interdisciplinaridade no trato da questão do terrorismo fica bem demonstrada, em sua articulação transversal, na existência de uma disciplina de “psicologia política”. Jerrold Post, médico e psiquiatra, professor pioneiro da disciplina de psicologia política e relações internacionais na “The George Washington University”, é um testemunho acadêmico vivo da complexidade do terrorismo como tema interdisciplinar. Curiosamente, a abordagem típica do fenômeno do terrorismo, nos trabalhos de Post, está centrada no estabelecimento de “perfis”, algo bem conhecido na seara da justiça criminal, no que tange autores e vítimas de crimes (etiologia e epidemiologia criminal). Por paradoxal que possa parecer, Post estabelece "perfis psicopolíticos" de líderes nacionais, supostos terroristas do ontem para muitos. Foi o caso de Menachem Begin (Israel) e Anwar Sadat (Egito), quando do processo de paz de "Camp David" (abril de 1978) mediado por Jimmy Carter, então presidente dos Estados Unidos da América. O fato de Menachem Begin e Anwar Sadat serem eventualmente referidos como terroristas por seus oponentes ideológicos deriva do bordão, 'One man's terrorist is another man's freedom fighter' (O terrorista de um homem é o libertador na visão de outro homem).

A “Estratégia Global de Contra-Terrorismo das Nações Unidas” foi adotada em 2006 pela resolução 60/288, como instrumento global para aumentar os esforços nacionais, regionais e internacionais contra o terrorismo. Esta foi a primeira vez que todos os estados membros pactuaram em consenso mínimo sobre a necessidade comum de combater o terrorismo e fortalecer as decisões tomadas no Fórum de 2005 e introduzidas no Relatório do Secretario-Geral da ONU, “Unidos contra o terrorismo: recomendações para uma estratégia global contra o terrorismo”.

- Mas afinal, o que é terrorismo? - Tendo que contemplar as perspectivas de todos seus membros, a Organização das Nações Unidas afirma que “os atos, métodos e práticas de terrorismo, em todas as formas e manifestações, são atividades que objetivam a destruição dos direitos humanos, liberdades fundamentais e democracia, ameaçam a integridade territorial, segurança dos Estados e desestabilizam a legitimidade do Governo, e que a comunidade internacional tem que tomar as medidas necessárias para aumentar a cooperação e prevenir e combater o terrorismo” (Assembléia-Geral/Resolução/60/288). A definição é ampla, não- inclusiva e ambígua, podendo sugerir confusão com práticas de "Terrorismo de Estado", e não abarca a ameaça nuclear ou de utilizaçao de armas de destruição em massa. É Importante lembrar que atos de terrorismo não devem ser associados, necessariamente, com religião, nacionalidade ou grupos étnicos. E mesmo se o objetivo do terrorismo é uma mudança política ou de sistema, ela não precisa necessariamente ser violenta.

Como medida preliminar da estratégia traçada pela ONU, é reafirmado que cabe aos membros da organização programar medidas nacionais contra o terrorismo. Para a ONU, tais medidas ficam materializadas em quatro pilares: (i) combate contra as fontes que conduzem ao avanço do terrorismo, (ii) prevenção e combate ao terrorismo, (iii) construção da capacidade de cada estado membro em prevenir e combater o terrorismo e (iv) fortalecimento do “Sistema ONU” em assegurar que cada estado membro engaje no esforço global contra o terrorismo, respeitando o Estado de Direito e os Direitos Humanos como bases fundamentais daquele mesmo esforço.

Existem atualmente 16 instrumentos normativos elaborados pela ONU para o combate ao terrorismo, implicando em esforços a serem implementados em conjunto com agências internacionais, programas, órgãos da ONU e seus membros. Em setembro 2010 os membros da ONU aprovaram consensualmente uma nova resolução, reafirmando a necessidade de combater o terrorismo praticado “por quem quer que seja, onde quer que seja e pela razão que for”. Contudo, voltamos a uma esfera contextual embrionária da indefinição conceitual: - Como combater contra alguém que, supostamente, pode estar defendendo a autodeterminação dos povos e os direitos humanos de forma suicida?

A prática terrorista não é uma novidade. As novidade reside nas formas de terrorismo, da estrutura organizacional respectiva e do impacto global produzido. A grande problemática pode ser resumida em um quesito preliminar: a necessidade de uma definição clara e de instrumentos normativos que permitam que determinado ato seja interpretado inequivocamente como crime e sujeito a uma penalidade estabelecida em lei nacional. Apesar do uso generalizado da expressão, o conceito de terrorismo continua nebuloso em pleno século XXI. Além de remontarem a motivações políticas ou ideológicas, as definições existentes se resumem a amplos conceitos táticos ou estratégicos. Com o terrorismo sendo principalmente um método de militância, normalmente ele inclui três elementos genéricos: violência, medo e intimidação. E mesmo considerando apenas três elementos constitutivos genéricos de uma definição do fenômeno do terrorismo, a controvérsia persiste na dificuldade de "diferenciar um crime de uma obrigação sagrada", ou seja, um ato imperdoável socialmente de uma reação moral justificável contra a opressão. Considerando tal relativismo, a depender da ótica do analista o terrorismo pode ser considerado freqüentemente como uma tática legítima da parte mais fraca em um conflito em que está presenta uma "assimetria de poder" e legitimidade de causa.

O terrorismo como expressão assimétrica do poder de uma das partes envolvidas em um conflito (o “lado do mais fraco”), proporciona um poder coercitivo com certas vantagens sobre o poder militar ortodoxo (a exemplo, a não-observação das "leis da guerra") e implica apenas em uma fração dos custos de utilização do poder militar clássico. Devido à natureza quase-secreta e o tamanho das organizações terroristas, elas amiúde desafiam seus oponentes pela falta de mecanismos claros para um enfrentamento bem sucedido. Várias definições de terrorismo seguem coexistindo e o consenso parece longe de ser alcançado já que, enquanto a maioria dessas definições estabeleça “o que é terrorismo”, poucas estabelecem um critério diferencial “do que não é terrorismo”, distinguindo-o de outras formas genéricas de violência.

Ao que parece, o controle efetivo do terrorismo requer uma gama de medidas políticas, econômicas e sociais vis-à-vis a pobreza, a intolerância, o ódio e até mesmo fatores aparentemente distantes da violência social e interpessoal, caso da degradação ambiental. É na falta do controle desses e de outros fatores adversos que parece estar a ignição para a crença de que a prática do terrorismo seria a única opção viável para a luta por uma ”causa justa dos desempoderados”. Para o Nobel da Paz (2006), Muhammad Yunus, “Colocar mais recursos na melhoria de vida é uma estratégia melhor do que gastar em armas”.

- E o Brasil com tudo isso? - Não seria melhor considerar que o Brasil estaria imune às ameaças do terrorismo e considerá-lo um problema “do outro”. Afinal, os registros históricos não apontam episódios definitivamente classificáveis como terrorismo na história moderna do país (salvo um episódio isolado em Recife em 1966 e outro em São Paulo em 1970, ambos questionáveis segundo os especialistas no tema...). Ainda assim, o Brasil além de meramente cumprir suas obrigações como estado membro da ONU, deve levar em conta que as práticas terroristas tampouco funcionam isoladamente ou respeitam fronteiras nacionais, encontrando práticas de apoio paralelo, caso do narcotráfico e de várias outras modalidades delitivas transnacionais tais como o tráfico de armas. E o Brasil certamente não está imune a tais "práticas delitivas de apoio paralelo ao terrorismo", como fica demonstrado nas crises atuais da segurança pública do país.

Em 2014 e 2016 o Brasil estará sob o foco mundial ao sediar dois grandes eventos esportivos. Obviamente, não parece aconselhável “pagar para ver” se o terrorismo internacional incidirá ou não naqueles dois “contextos globais”, em meio a representantes de países em que ele é uma prática de ação ou vitimização. Muitas ações internacionais de contra-terrorismo para 2014 e 2016 precisam ser coordenadas e incluir investimentos estratégicos e treinamento de profissionais das áreas de segurança e defesa. Paralelamente, é necessário estabelecer instrumentos normativos claros do que o Brasil entende como sendo terrorismo, bem como o que o diferencia das atividades criminais ordinárias, tudo isso em harmonia com a defesa dos interesses nacionais.

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