26 de nov. de 2010

Poder Discricionário: Dois Modelos (Considerações acerca da aplicação do "modelo militar")

George Felipe de Lima Dantas

em 26 de novembro de 2010


Fonte de referência (com tradução livre e adaptações): Witham, D. (*) & Gladis, S. (**) (1995). Poder Discricionário: Dois Modelos. Em The Encyclopedia of Police Science.(Enciclopédia de Ciência Policial).New York & London: Garland Publishing. (p.211).

Os acontecimentos do Rio de Janeiro, na semana de 21 de novembro de 2010, mostram a utilização intensiva de forças policiais cuja configuração é tipicamente militar. É esse o caso do chamado "Batalhões de Operações Especiais" (BOpE/PMERJ) daquele estado, unidade policial militar consagrada no imaginário popular do país após ser objeto central na obra cinematográfica "Tropa de Elite".

- Mas afinal, o que existe em comum entre policiais e militares? - Quais as ações, empreendidas pelo BOpE/PMERJ na semana de 21 de novembro, demandando uma "cultura militar"? - O texto de referência aponta:

"É um fato óbvio a existência de similaridades entre policiais e militares, entre elas, uniformes, estruturas hierarquizadas de pessoal e uso de insígnias. A maior das similaridades, entretanto, talvez esteja na autoridade policial para utilização da força em situações de manutenção da ordem. Em situações de emergência, tanto policiais quanto militares necessitam acatar a autoridade de seus superiores de maneira quase automática e inquestionável. Esse tipo de disciplina é crucial, tanto para o êxito de operações policiais que demandem o uso de força letal, quanto para o desencadeamento de um ataque militar a uma "posição fortificada inimiga". Como conseqüência desse raciocínio, a atividade policial tem sido tradicionalmente estabelecida tendo por base o "modelo militar de autoridade".

- Considerando que situações de emergência como a da semana de 21 de novembro de 2010 no Rio de Janeiro não sejam frequentes, como avaliar a necessidade de efetivos policiais baseados no "modelo militar tradicional? - O texto de referência aponta:

"Com tudo isso, e mesmo tendo em conta que uma "performance policial disciplinada" seja sempre requerida em situações de emergência, tais situações representam apenas uma percentagem muito pequena do tempo de desempenho da atividade policial em geral. As pesquisas indicam que a maioria dos policiais passa a maior parte do seu horário de trabalho desempenhando atividades não-policiais, administrativas, ou simplesmente de rotina. Conseqüentemente, a questão suscitada passa a ser: será que os policiais devem basear suas atividades de rotina de acordo com um modelo militar tradicional?"

- Com alguma frequencia o "modelo militar" é apontado como um fator que contribui para uma alegada "cultura da violência", expressa da parte de policiais contra a cidadania. - O que os registros históricos apontam a esse respeito, no tocante ao processo de formação das polícias modernas (inclusive originárias de modelos paradigmáticos de "gestão cidadã", caso da chamada "polícia comunitária")? - O texto de referência aponta:

"O modelo tradicional norte-americano de autoridade policial deriva de várias influências. Em um primeiro momento de sua história formativa, foi inspirado no sistema vigente na Inglaterra do Século XIX, levado para os EUA em 1844. Em 1829, "Sir" Robert Peel instituiu em Londres uma força policial baseada parcialmente no modelo militar de disciplina interna, buscando contrapor a situação de falência dos sistemas pré-existentes. O que existia antes era um sistema duplo, primeiro de cidadãos/vigilantes, de pouca disciplina e eficiência, e um outro, eventual, materializado por intervenções desnecessariamente violentas em situações de manutenção da ordem pública e de controle de distúrbios. De volta da Inglaterra, uma comissão norte-americana de visitantes sugeriu a formação de uma força policial semelhante à de Londres em Nova Iorque. Tal acontecimento marca o nascimento do "modelo militar" nas polícias norte-americanas."

- Que fator seria hoje o mais decisivo na adoção do "modelo militar" por organizações policiais que fazem o policiamento ostensivo no seio da comunidade? - O texto de referência aponta:

"Num segundo momento, o modelo militar da autoridade policial norte-americana foi sendo sedimentado no entendimento de que o uso de "força letal" demande uma disciplina organizacional a mais rigorosa possível. A disciplina militar rigorosa, necessariamente associada ao uso de armas de fogo, reforça o modelo militar toda vez que policiais colocam seus coldres à cintura..."

- Existe alguma "conveniência organizacional" na adoção de um "modelo militar" pelas organizações policiais? - O texto de referência aponta:

"Numa terceira consideração da adoção do modelo militar pelas polícias dos EUA, há que considerar o fato de que a organização interna e estrutura hierarquizada de postos, existente na maioria de tais instituições, espelha muito fielmente a realidade militar. Os departamentos de polícia norte-americanos são estruturados em esquadrões e pelotões, liderados por sargentos e tenentes, e não em grupos e departamentos, chefiados por supervisores e gerentes. Além disso, os uniformes, cerimônias e estilo de treinamento, tudo isso conjuntamente, projeta a imagem de um modelo militar."

- O "modelo militar" sugere que valores para a cultura institucional policial? - É necessária uma "cultura da autoridade e da disciplina" nas polícias ostensivas? - O texto de referência aponta:

"Finalmente, os homens e mulheres que desempenham a atividade policial nos EUA abraçam valores baseados na "figura da autoridade", o que faz com que as organizações policiais norte-americanas tenham atmosfera, filosofia e aparência bastante militares. Em síntese, o modelo militar faz com que nas polícias dos EUA a disciplina seja extremamente valorizada, ao mesmo tempo em que é desencorajado o exercício de "poder discricionário". Faz parte da filosofia do treinamento básico policial nos EUA o culto da disciplina e o desestímulo ao exercício de poder discricionário, expressando um modelo que os norte-americanos acreditam ser necessário em circunstâncias potencialmente de conflito e de uso de força letal."

- A "flexibilidade" não parece compatível com os modelos militares organizacionais. Isso seria um contraponto (ônus) das vantagens (bônus) da adoção de um "modelo militar" para as polícias, ou uma restrição impeditiva da aplicação de tal modelo? - O texto de referência aponta:

"Como conseqüência desse modelo, de sua história, tradições e treinamento peculiar, muitos policiais norte-americanos da atualidade tendem a atuar, indiscriminadamente, de acordo com um paradigma pesado de autoridade militar, a despeito de sua adequação, ou não, a situações bastante diferenciadas."

(*) Chefe da Unidade de Ciência Gerencial da Academia do FBI em Quantico, Virginia, EUA./(**) Agente Especial do FBI, Escritório do FBI para Comunicação Social e Relações com o Congresso.

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