19 de set. de 2009

Justiça Criminal

Fonte da imagem: http://www.hks.harvard.edu/criminaljustice/images/annual_report_2008.gif

Justiça Criminal

por George Felipe de Lima Dantas
em 18 de setembro de 2009


Ainda não é bem sabido pelos profissionais brasileiros do setor, do quão individualizado e especificamente pode ser explorado o grande tema acadêmico da segurança, tanto pública quanto privada. Suas várias áreas de concentração totalizam um verdadeiro 'domínio do saber' ou área acadêmica própria. A ela pertencem, lidimamente, os profissionais de um ofício genérico bastante inclusivo e importante, incluindo o das autoridades prisionais, dos gestores públicos envolvidos diretamente com questões da área, guardas municipais, membros dos ministérios públicos, policiais de origens diversas, profissionais de segurança privada, etc. Trata-se da Justiça Criminal, uma área ainda quase que inexplorada no Brasil, mas já bastante difundida em vários outros países do mundo. Ela floresce com inúmeros cursos de graduação e pós-graduação em departamento específicos sediados em países como Austrália, Canadá, Estados Unidos da América e Inglaterra.


Talvez por isso (falta de informação técnica e referência), muitos desses profissionais brasileiros pareçam só poder hoje migrar hoje, academicamente, para as ciências jurídicas ou sociais. Isso acontece quando, no exercício de suas profissões de origem, percebem 'não poder ter uma voz academicamente própria', ficando 'reféns intelectuais' de interlocutores de 'outras falas', mas que referem com alguma propriedade um ofício que muitas vezes jamais exerceram. Quiçá, por isso mesmo, os profissionais do setor, expostos a tal sensação de 'desempoderamento' e acanhamento intelectual existencial, migrem para onde julgam estar as únicas ‘fonte identificáveis’ das suas supostas deficiências intelectuais (e até mesmo de curiosidade acadêmica...). Isso faz parte da busca da plenitude do desenvolvimento humano, aspiração mais que normal e freqüente no mundo técnico-profissional de qualquer carreira, em qualquer tempo ou lugar do mundo. Não que o saber jurídico ou das ciências sociais não tenha a relevância óbvia que têm, mas certamente que os operadores da segurança pública e privada necessitam de compor aqueles saberes com vários outros mais, dando assim completude ao seu domínio técnico-profissional específico.
Mas essa área interdisciplinar e multidisciplinar existe e parece estar ainda muito 'bem guardada' dos olhares dos respectivos profissionais do Brasil, ainda que apenas objetivamente...



A todas essas, ela floresce plena em sua subjetividade até mesmo no Brasil. É bem sabido, nos dias atuais, tanto no Brasil quanto no restante do mundo, que a segurança pública passou a ser um dos problemas mais sérios das sociedades modernas, muitas vezes alinhada com outras questões essenciais do Estado contemporâneo, caso da saúde e da educação. A segurança compõe com elas uma trilogia essencial ao desenvolvimento humano pleno. O próprio conceito de segurança pública passou a ser parte de algo maior e mais abrangente, a chamada 'segurança humana'.


Alguém muito propriamente cunhou a expressão "espetacularização do crime e da violência", o que pode ser detectado diariamente na mídia, seja ela da natureza que for, ao mostrar com detalhes uma gama de comportamentos desviantes, antes tidos apenas como do domínio do bizarro e do anedótico. Pais que mantém filhas cativas por décadas como verdadeiras 'escravas sexuais'; filhos que cometem parricídio pelos mais fúteis motivos; mães e pais que descartam como ‘lixo’, ou mesmo matam seus próprios filhos; irmãos protagonizando ocorrências de homicídios como agentes e vítimas; professores e alunos sendo mortos no interior das escolas, etc. Tudo isso, de anômalo, não deixa de incluir também uma verdadeira 'falência moral' do Estado, em seus 'núcleos duros' de liderança. Passou à banalidade os casos de escândaos envolvendo importantes figuras públicas, com elas dando os piores exemplos de desvio ético, incluindo desde a corrupção (apropriação do que é público como privado) até relações espúrias com os 'mercadores da morte' (narcotraficantes), passando por uma espécie de 'neo-nepotismo pós-colonial', até a disfunção familiar grosseira, uso e abuso de drogas e perversões as mais diversas.


Mas houve um tempo em que o crime, e os desvios assim classificados como tais, eram tidos como problemas localizados em certos estratos sociais e comunidades e que demandavam soluções simples e reativas, de aplicação rara e decisiva -- o caminho da repressão penal exemplar talvez tenha sido o mais tipicamente utilizado de todos eles. Hoje tudo aponta que o fenômeno do crime e da violência seja um problema altamente complexo e cuja busca do seu encaminhamento (resolução) demanda conhecimentos, técnicas, habilidades e atitudes com origem multidisciplinar e interdisciplinar. Sua resolução, em tal entendimento e contexto, clama, já agora, pela elaboração de políticas públicas de contenção (prevenção e repressão); entendimentos de cunho sociológico teórico para o devido encaminhamento de problemas criminológicos; conhecimento de etiologias criminais de fundo psíquico e somático; aplicação de medidas de controle com base na modernidade das ciências jurídicas e em ações proativas e reativas dos operadores do direito e da segurança pública; um maior repensar e melhor compreender acerca das bases históricas das sociedades aplacadas pelo fenômeno; o exame, avaliação e crítica construtiva dos novos valores e instituições do novo século; a busca de melhor medir e compreender o impacto da economia sobre o crime, criminosos e questões conexas; o ressucitar de geografia em seu holismo, para descrever e mapear uma nova 'cartografia do crime; 'bem como contar com o concurso de um verdadeiro 'arsenal' de antigas e novas ciências, técnicas e tecnologias que permitam melhor identificar, qualificar, quantificar e dar resposta ao enfrentamento das novas expressões do fenômeno do crime, da violência e da desordem (com técnicas tão moderns quanto a da Análise de Vínculos e da Biometria Digital).


À multidisciplinaridade e interdisciplinaridade da segurança pública se igualam valores correspondentes na moderna Justiça Criminal. Ela inclui entre suas vertentes, Ciência Política, Sociologia, Psicologia, Medicina, Ciências Jurídicas, História, Filosofia, Economia, Geografia Ciência da Computação, etc. Dado todos esses recursos, pode ser bastante gratificante trilhar uma das modernas carreiras do grande domínio da justiça criminal, caso das autoridades prisionais, gestores públicos da área, guardas municipais, membros dos ministérios públicos, policiais de origens as mais diversas, profissionais de segurança privada, etc.


Ao contrário de outras carreiras menos demandadas e cujos profissionais não são constantemente levados ao limite de suas capacidades, os profissionais de segurança pública e privada lidam com um dos maiores problemas das sociedades modernas. De maneira difusa, mas certa, já existe um domínio da justiça criminal no Brasil, a ser ocupado não apenas por centenas de milhares de policiais, mas também por gestores de tribunais e de órgãos do poder executivo do setor; membros do ministério público e do poder judiciário diretamente ligados à questão do crime e da violência; operadores de instituições de reinserção de adolescentes em conflito com a lei; servidores do sistema prisional e pesquisadores das ciências sociais aplicadas diretamente na ampla temática da segurança pública. Proliferam também, no exterior, os programas formais e paralelos às atividades de educação e pesquisa em Justiça Criminal. Um exemplo interessante é o do programa de Políticas Públicas e Gestão em Justiça Criminal da Universidade de Harvard, a mais antiga IES norte-americana, fundada em 1636.


Um de vários desses programas é conduzido pela Harvard Kennedy School (Escola Kennedy da Universidade de Harvard), instituição de pós-graduação cuja missão é preparar lideres de sociedades democráticas e com isso contribuir para a solução de problemas públicos. Ela quase que certamente é a mais prestigiada do ramo nos EUA. Tal escola possui um programa de pós-graduação em Justiça Criminal que patrocina vários tipos de eventos, incluindo ‘Sessões Executivas’, discussões de painéis de experts, seleção de filmes para premiação, apresentações individuais, etc. Os membros dos painéis incluem profissionais do ramo da justiça criminal (policiais inclusive), docentes da área e membros da própria Universidade de Harvard e da sua Escola Kennedy.


Interessante notar a inclusão, entre os filmes examinados na ‘Sessão Executiva’ de 2008, a obra cinematográfica ‘ Ônibus 174’, em evento ocorrido em três de março de 2008. O filme foi considerado pelo periódico norte-americano -- “New York Times” -- um dos dez melhores filmes de 2003. A obra retrata os eventos, causas e conseqüências do famoso episódio ocorrido no Rio de Janeiro quase dez anos atrás. Após a exibição, o filme foi comentado por Luiz Eduardo Soares, atuando como professor visitante do Programa de Políticas Públicas e Gestão em Justiça Criminal. Interessante que eventos e temas como esse passem quase que despercebidos pela comunidade brasileira de profissionais e pesquisadores do ramo.


A figura acima corresponde ao Relatório Anual -- 2008 -- do Programa em Justiça Criminal -- Políticas Públicas e Gestão, da Harvard Kennedy School. Ele está disponível em <http://www.hks.harvard.edu/criminaljustice/index.htm>.

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