28 de nov. de 2010

O Pânico Moral


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O “Pânico Moral”

por George Felipe de Lima Dantas
02 de novembro de 2002

A expressão “pânico moral”, utilizada em estudos das ciências sociais, é pouco conhecida do público em geral. O conceito pode conotar, por exemplo, uma reação exacerbada a desvios de conduta, ou mesmos ilícitos, supostamente capazes de ameaçar a ordem dominante. Mensagens indutoras de pânico moral podem ser disseminadas pela mídia, tendo sua origem em indivíduos ou grupos interessados em mudar normas coletivas ou práticas sociais, estando para tanto dispostos a compelir os demais a aceitar e promover tais mudanças, recorrendo para tanto a um clima induzido de medo coletivo, perplexidade e mesmo pânico.

Os estudos que tratam do tema, via de regra abordam o fenômeno da dinâmica das mudanças sociais e das estratégias para sua promoção, e não a validade de postulações indutoras do “pânico moral”. A consciência crítica da nação, ao contrário, talvez precise examinar, para seu próprio governo, o mérito de postulações indutoras desse tipo de pânico.

O conteúdo de mensagens promotoras do pânico moral, dado o fato de provocarem o afloramento do sentimento atávico de medo nas pessoas, tende a atrair adeptos, sem maior atitude crítica. São “advogados do pânico” rápida e fervorosamente convertidos a tais mensagens. Isso acontece, por exemplo, com a manipulação de determinados acontecimentos de grande ressonância pública, geralmente na busca de plasmar e disseminar um sentimento de “fim do mundo”, que “obviamente precisa ser evitado a qualquer preço”, através de tais ou quais medidas (constantes de uma “agenda oculta”), inaceitáveis em condições normais.

Um exemplo bastante atual da disseminação do “pânico moral” no Brasil é a vinculação de uma alegada falência do Estado em relação ao crime e violência praticados por jovens. Tomados como causas dessa situação, são denunciados o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e os ditames do artigo 228 da Constituição Federal. Não é poupado sequer o fundamento constitucional, quiçá “cláusula pétrea”, quanto à idade mínima estabelecida para a responsabilidade penal (18 anos). Segundo o conteúdo dessas mensagens, o ECA supostamente minaria a autoridade policial, enfraquecendo o Estado e servindo de estímulo para a delinqüência entre jovens brasileiros (“não mais tão inocentes”, mesmo com idades menores a 18 anos...). Será isso verdade? –Independente de ser ou não, a hipótese já ganhou adeptos e passou a ser uma tese hoje defendida por muitos...

O conhecido criminoso “Fernandinho das Couves”, por exemplo, passou a personificar, enquanto exemplo individual ou “imagem viva”, a criminalidade fora de controle pelo Estado. Será ele realmente, enquanto indivíduo, suficiente razão para o “pânico moral” da nação em relação ao crime e violência de detentos fora de controle no sistema prisional?! Através de constantes aparições na mídia, eventos em que são mostradas provas de antigos e novos delitos cometidos por “das Couves”, a comunidade fica cada vez mais convencida de que “tudo está perdido”. As soluções apontadas passam a ser, muitas delas, radicais. Temos que negar, subitamente, todo um patrimônio de instituições democráticas construídas ao longo da própria história do país. - Pena de morte? - Prisão perpétua? - Estabelecimentos prisionais em zonas remotas e inóspitas? - Justiça comum para os menores de 18 anos?

De tempos em tempos “Fernandinho” volta aos jornais, só para serem apontados seus novos crimes e atrocidades. Agora são conversas dele ao telefone, gravadas quando foram feitas de dentro do estabelecimento de segurança máxima em que vem estando internado. Numa última gravação, divulgada pela mídia, “Fernandinho” determina uma execução. A ordem é cumprida imediatamente, a serem verdadeiros os ruídos de disparos na gravação de mais esse diálogo telefônico absurdo. Já na semana seguinte, é um levante na penitenciária de segurança máxima “Bangu 1”, com o “Comando Vermelho” de “das Couves” promovendo sua guerra particular contra o Estado e membros do grupo “ADA” ("Amigos dos Amigos").

É óbvio que conceitos, mensagens e idéias desencadeadoras do pânico moral podem esconder a tentativa de indução de medidas pré-determinadas por parte de seus proponentes (“agenda oculta”). Isso quase sempre terá uma contrapartida reativa, resultando em duas perspectivas de conotação ideológica simétrica. Enquanto conservadores e reacionários postularão um endurecimento punitivo geral em relação ao crime, particularmente aqueles cometidos por jovens em conflito com a lei e delinqüentes contumazes, já os moderados e reformistas poderão apontar que o caminho é apenas o da prevenção, com o fortalecimento das instituições de proteção das crianças e adolescentes, a família inclusive. Da mesmo forma que conservadores e reacionários alegarão que “Fernandinho” não merece os direitos que a lei confere a todos, criminosos inclusive, o bloco oposto postulará que delinqüentes, tais como ele, são fruto de uma ordem social injusta e que precisa ser transformada em termos dos valores estruturadores da sua dimensão sistêmica.

A grande discussão gerada entre proponentes do pânico moral e seus oponentes não pode resolver, entretanto, no aqui e agora, questões prementes e que requerem ações imediatas da gestão da defesa social e segurança pública: é a chamada “ética da urgência”. Assim acontece em relação aos jovens de risco que estão delinqüindo agora nas ruas, aos traficantes que neste exato momento fazem suas transações ilícitas e aos internos do sistema prisional que seguem coordenando mais crimes de dentro das prisões. É no equilíbrio entre medidas reativas, necessárias e imediatas, com a implementação articulada de políticas de médio e longo prazos para a defesa social e segurança pública, que o Estado revelará sua real competência na gestão de tão importantes questões do interesse público.

O êxito da gestão da defesa social e da segurança pública, parece, está hoje condicionado a um processo de tomada de decisão marcado pela “ética da urgência”, mas que também deve estar pautado nos atributos da serenidade e da firmeza. São completamente dispensáveis, no Brasil de hoje, as conseqüências do açodamento e do medo que o “pânico moral” certamente pode produzir...

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